Sobre os bemóis e sustenidos vai surfando
Os dedos de ergástulo e glória;
Estes dedos que os toques vão sanando
A Tragédia, convertendo-a em Vitória.
Balbuciando pelas fendas da Sonata,
Do Scherzo, da Valsa e do Noturno,
Cantam da noite e do luar a Serenta,
Como em leves toques de soturno.
A Mazurka, o Maxixe, a Tarantella
Como que movem a caveira que me tenha;
Como que pintam em mim a aquarela
Que danço; danço como a dança venha!
O Quarteto, o Concerto, a Sinfonia
A minh\'alma purifica e engrandece;
A dor de meu espírito alivia
E a lágrima que desce o som aquece...
O violino; tão fino, tão agudo, tão ufano
Me enobrece, me encanta e me seduz;
Seu grito de tristeza é tão humano
Quanto o grito de quem morreu na cruz...
E me afoga em tamanha piedade,
E me inflama com a brasa da empatia,
Que este peito afeito à caridade
Se enfurece diante da Apatia...
Os oboés, os clarinetes e as flautas
São tão doces cantando em conjunto;
Nos elevam às alturas elevadas,
Onde a Palavra não diz qualquer assunto...
O contrabaixo, a viola e o violoncelo
Lacrimejam sobre o peito de quem ouça;
Como que partem a alma com um cutelo
Que o susto a todo bem remoça...
E que dizer das teclas do Piano,
Do Órgão, da Celesta ou do Cravo?
Um é Cinza, outro Rubro, outro Ciano,
Que todo o mundo por meros Dó\'s destravo!
Por estas teclas, brancas ou teclas pretas,
Ouço a Flauta, o Trompete ou a Viola;
A Guitarra, ou mesmo as Trombetas,
Pois meros dedos o Mundo cantarola!
O Piano é um Cosmo resguardado;
Tudo diz, e tudo diz que oculta;
Tudo fala, e fala tão calado
Que a alma de quem ouça ele sepulta...