Vinicios Cesário

Utopia

Diante das câmeras situadas em minhas órbitas oculares 

passam: a banda, o carnaval e o dia.

Absorto, não escuto a música, não admiro a passista

nem vejo que ainda chovia. 

Sou incauto andarilho do tempo  

que confiando no bom augúrio do próprio destino,

desdenha da areia que lhe resta na ampulheta

e sorve o olor das flores,

alonga os segundos, os minutos e as horas

e idealiza seus impalpáveis amores.

Minha alma de bardo encontra porto seguro 

em minha burlesca inépcia

e num anacronismo destoante,

tenho a cabeça, tronco e membros aqui

enquanto afeto, anelo e cupidez

num orbe deveras distante. 

Queria ser como muitos contemporâneos

e estimar:poder, posição ou capital…

Porém, minha onírica mente desde menino

é pipa que voa,

é folha num vendaval.

Talvez porque o poeta seja um alquimista

e transmute vocábulos em ouro, 

e em sua fábrica de utopias

engendre seu próprio tesouro.