Na vila-cidade
Nossa Senhora da Piedade
apareceu um buraco.
Naquela chão branquinho
de areia fina sob o céu de passarinho,
surgiu um orifício quase invisível
e foi crescendo sozinho no tempo do incrível.
Ficou tão grande que engoliu casas e gente
como o rato é engolido pela serpente.
A enorme profundeza impedia a visão de seu fundo,
muita gente se jogou nele em busca de novo mundo.
O contador de estórias João Serafim
falou do “demo”, do “coisa ruim”...
E todo mundo temia o buraco maldito,
até o valentão do José Benedito.
Houve um sujeito metido a herói
querendo tapar sozinho o buraco
com terra, areia e cavaco.
Morreu, cheio de calos nas mãos
de um ataque do coração,
de tanta terra que carregou
lutando na guerra que para si reservou.
E o buraco cada vez mais cresceu,
muita gente valente tentando enfrentá-lo morreu,
até o dia em que um homenzinho
atirou de terra no buraco
só um pocadinho.
E muita gente do mesmo modo agiu
e hoje se conta que o buraco grande de verdade
de Nossa Senhora da Piedade
Sumiu.