Nelson de Medeiros

A VIAGEM

A VIAGEM

 

      Tarde dolente cor de cinza, com chuvinha fina, pegadeira, suscitando lembranças que se juntaram através do tempo. Pela janela do carro já nem percebo postes e pessoas que passam em disparada. Quero fugir da realidade, desprender da alma o fardo de responsabilidade que a vida me confiou e sob o qual sucumbo a cada instante...

        Ganho a estrada, busco o campo. À medida que avanço inexplicável torpor me invade a mente... Paro de pensar e toda a minha vida desfila ante meus olhos. Fenômeno desconhecido que, longe de inspirar medo me enche de tranquilidade.

         Transportam-me a outra paisagem... A chuva cessara dando lugar à claridade do sol que entremeava seus raios dourados sobre a mata molhada.

          Sobre a encosta de pequena colina, arvoredo florido balouçando ao sabor da brisa da tarde emprestava aspecto deslumbrante à clareira acolhedora, verdadeiro oásis de prodigioso bem estar, fazendo-me recordar, de imediato, os famosos bosques de Viena sobre os quais tanto aprendera em minha juventude.

            Sensação de paz íntima e de respeito ao desconhecido se aninharam no meu peito, dando-me a impressão de que penetrara mundo diferente... A Shangri-lá dos meus sonhos, talvez...

            Foi num átimo de segundo, se tanto, que eu entendi que em algum lugar do espaço se encontra gravada, passo a passo, toda a trajetória de nossa milenar caminhada na busca da perfeição, porque não somos, nesta vida, folhas soltas ao sabor dos ventos...

           Somos o que pensamos e a cada momento mudamos a rota do destino através de nossos atos e pensamentos, embora a caminhada aponte sempre o rumo norte. Jamais estacamos na estrada porque a cada desvio que buscamos, mesmo que nos atrase o passo, lá na frente sempre a encontraremos novamente e retomaremos a jornada...                              

          E, nesta centelha de tempo, num segundo incomensurável, eu compreendi que Deus é a causa misteriosa de tudo quanto existe e que eu não entendo. Manancial de todas as formas de vida é o supremo consolo do infortúnio e a esperança de riqueza do pobre. Essência do próprio direito é a fonte de justiça do oprimido. Símbolo eterno da paz é o rumo de todas as criaturas na busca da Luz que dissipa todas as sombras...

 

            Nelson de Medeiros.