bedengus

Bom, Belo e Útil

 

Andando por desniveladas ruas de calcário

Sob as carícias dos rosados dedos de Eôys

Eu vejo a deliberação de um certo cenário

 

E sou chamado como juiz entre eles dois

Tomo no tópico de virtudes a discursão

Para ver à qual deles a verdade dispôs

 

‘Não é belo?’, um diz sobre seu cinturão

‘É horrível!’, vem o outro à retrucar

Assim tenho eu de prover concessão

 

Àquele quem certo parece falar

Porém no âmbito eu sou ignorante

E posso apenas à eles perguntar:

 

‘O que o distingue de todo outro semelhante?

E o que a hierarquia de beleza estabelece?

Pois para mim parece nada importante

 

O critério da marca qual dele resplandece’

‘É tipo, muito bonito, não vê aí ainda?’

Ele responde o que apenas à ele parece

 

‘Olha aqui como a fivela é linda’

‘E o metal com o couro combina’

Ele prossegue com sua ladainha

 

Proferindo apenas palavras de rotina

Apenas significado vão elas têm

E assim cabe à mim prover a medicina

 

‘Não é beleza algo que as virtudes contêm?’

‘Então meu cinto não é virtuoso?’

‘Eu digo que o que é virtuoso é bom também’

 

‘Então o meu não é bondoso?’

‘Depende de sua utilidade’

‘Mas o meu é maravilhoso!’

 

‘O que tem à ver o útil com bondade?’

O outro questiona minha asserção

‘É um martelo belo algo para vaidade?

 

Ou é um qual trabalha com perfeição?

E o que marca o martelo ruim?

Nada mais que sua inutilização!’

 

‘Mas será que é tudo assim?’

‘E por que algo não seria?’

‘Porque cada coisa tem seu fim.’

 

‘E qual o fim do cinto, tu diria?’

‘Manter as calças dele seguras?’

‘Ah, então olha agora sua alegria.

 

Pois elas estão bem nas alturas.

E não é o couro de qualidade?

Assim não há quaisquer conjecturas

 

Ele bem cumpre sua finalidade.

Então porque buscas mentir?

O cinto é de facto uma beldade!’

 

‘Haha, e tu queria me persuadir?

Tá provado que é o cinto mais belo aqui!’

‘Esse não é o caso e nisto tens de te redimir.’

 

‘O quê? Tu não falou que sou o melhor daqui?’

‘Certamente nunca falei algo tão horrendo

E algo muito diferente é o que concluí.

 

Pois não estão todos aqui e ali vendo?

É nada pior ou melhor que todo outro exemplar.

E o que estão esses enfeites fazendo?

 

São apenas para sua função atrapalhar.

Assim mesmo que tenha alguma beleza

Não é coisa alguma para se gabar.’

 

‘Tu tá louco que isso não determina lindeza!’

‘Mas o que é belo então não é bom?’

‘O belo é bom, mas utilidade não é boniteza.’

 

‘Dizes então que o bom faz do útil um moletom?

Vestindo-o à bel-prazer quando bem quer

E quando o tem é puro acaso de um dom?

 

Para ser bom ser inútil requer?

Ou que há um certo bem que é útil?

Dizes que há outro sem utilidade qualquer?’

 

‘Digo que coisa não-boa pode não ser inútil.’

‘Dizes que o bem pode ser conseguido pelo mal?

Mostra-me então quando tal não é fútil!’

 

‘Que tal um roubo casual?

Quem o faz lucra do ilícito.’

‘Ousas mesmo defender o imoral

 

E juntar-te ao iníquo?’

‘É o fato que se não foi pego só lucrou

Independente que não seja de respeito.’

 

‘Então disso ele se beneficiou?

E sem ser pego lhe é vantagem?’

‘Claro, pois ele se abastou

 

E ganhou dinheiro com a malandragem.

E como ninguém mais viu

Só ele sabe da trairagem.’

 

‘E se um quarto solitário ele abriu;

E lá pecado ele cometeu?

Em uma perdida floresta ou rio;

 

Longe de todos os olhos se atreveu.

E se em uma profunda caverna escura

Foi o palco onde o ato aconteceu?

 

Não há conseqüência à travessura

E todo injusto ganho recebido lá?

Ou viverá ele seus dias em tortura

 

Sabendo ele de sua mácula?

Pois digo-te que virtude é um hábito

E não há como apenas imitá-la.

 

Não é um acidente quando lhe é apto

Ou uma esporádica ação do momento.

Mas agora teu costume é falho

 

E tentar não errar é um tormento.

Pois tua conduta é agora uma de vício

E não podes jamais andar desatento.

 

Aqueles que vivem em brio

Têm nada à se preocupar.

Mas os que escolhem solitário frio

 

Têm de sobre seu ombro vigiar.

Têm de com uma máscara se esconder

Pois em um deslize tudo pode acabar.

 

É esta à vida que um deve escolher?

Ou como é isto um benefício?

Pois agora ele vive em ter de correr

 

E perdeu sua calma, alma e ofício.’

Eu conto-lhes esta ilustração

E replicar parece ser difícil

 

Então eu dou a continuação

Que ‘é melhor não tomar a aposta.

Se ambas as escolhas são

 

Algo que ele não gosta.\'

E mesmo que ele não queira

Eu vou além da crosta.

 

\'Pois quão bom é ter a carteira

Se lhe é perdida a vida?

É clara que tamanha besteira

 

Não tem volta, só ida

Assim digo que é melhor ser pego

E se safar com apenas uma batida.

 

Mas foi só um caso de emprego

Dentre uma infinidade de males.

Tens tu outro vício em segredo

 

Que queres tentar em meus ares?

Alguma outra vil má ação

Onde vês o útil em barbares?’

 

Calados respondem apenas com atenção

Qual acompanha o silêncio de seus olhares

Assim vôo adiante à devida conclusão

 

Enquanto no horizonte ainda vejo Ántarês

Junto com os deuses celeste que de lá acenam

A inspiração vinda das calotas polares

 

‘Alguns homens o contrário pensam,

Achando que no mal encontrarão utilidade,

Mas tais erros apenas se assentam

 

Naqueles ignorantes de toda boa vontade.

Erram em medir as medidas de dor e prazer

Pois a distância seu intelecto degrade.

 

O que está perto maior faz parecer

Na falácia de que o imediato mais doce é.

Assim fazem-se por tudo perder

 

Ao quase literalmente atirarem-se no pé;

Jogam fora a riqueza do futuro

Para ao invés escolher a má fé.’

 

‘Mas e se eu me aventuro

E roubo logo um bocado de vez?’

‘É esse teu designo imaturo

 

De tentar pecar com rapidez?

Mas se já é ruim um mal pequeno

Como supões ser bom ainda maior cupidez?’

 

‘Humm…’ ele se põe à pensar sereno

Enquanto seu amigo parece confuso.

‘Então agora diga-me, oh obsceno

 

O que faz de teu cinto tão difuso?

Em que é ele mais virtuoso?

Em que tem ele mais uso?

 

No que é ele tão bondoso?

Onde está toda tal fineza?

Pois ele é assim muy custoso

 

Sem que vejamos sua grandeza!

À mim não passa de um mero acessório;

Sem grande nem pequena beleza.’