Marcos Valerio de Souza

O POETA E A CHUVA

O POETA E A CHUVA

 

O poeta sai pela noite...

A chuva ciosa cai

E acompanha o poeta

Onde o poeta vai?

Cai como fêmea fogosa

Cheia de impetuosidade

Com traje coloidal

Desvendando sensualidade.

E o poeta caminha

A chuva o observa

E o poeta não vê

Que a formosa malfazeja

Com seus olhares confiscos

Venera-lhe e o deseja.

Tenebrosa ela escorre

Agora fina e estuante,

Feito lâmina esmerilada

Risca a face dourada

Do poeta galopante.

Desvairado ela retarda

Seus passos pelo caminho;

Se alguém conteve-lhe, por certo,

Far-lhe-á mais um carinho.

Voluptuosa, porém,

A chuva dele se aproxima

E tão somente a esquina

É testemunha do fato

Do amor à primeira vista

Que a graciosa mandriona

Com seus olhares de medusa

Vê o poeta e se apaixona.

Sem ao menos palpitar

O poeta deixa envolver-se

E sente que a mão da serpente

Aos poucos o despenteia

E beija seus lábios rubros

Afaga-lhe e o galanteia

Diz-lhe versos de cartilha

Que assaz o lisonjeia.

O insigne poeta a encara

Protesta, repugna e a condena

Mostrando-lhe garbosamente

Seu esplendoroso emblema:

Que o poeta que é poeta

Vê a lua e se encanta

Transportando para a alma

A sua pureza santa,

Mas fica convicto de que

Cobiçá-la não adianta.

A chuva desapontada

No auge do desatino

Eleva a mão hasteada

E faz súplica ao Divino:

- Que extermine o poeta

Que apareceu em sua reta

Num reluzir do destino.

O poeta enfunado

Dela zomba e desvirtua

E caminha feito alado

Para o oposto da rua

Deixando a deusa das águas

Crua, sedenta e nua.

Estrambótica ela resmunga

Agora sem intervalo

Fazendo juras macabras

Querendo exorcizá-lo:

- Verás, poeta, minha fúria

Quando em meus braços afogá-lo!