Areia na pele, vento no rosto e uma sensação ruim. Essas são as únicas coisas que sinto agora. Quer dizer, eu não sei o que sinto de verdade, nem sei se sinto alguma coisa, parece mais um vazio do que uma tristeza. Sei lá, só acho que preciso de algo para preencher esse vácuo, esse sofrimento sem fim, esse espaço sem nada dentro de mim, escuro e gelado, como uma caverna.
Eu não sei, depois que você se foi tudo ficou estranho. Eu nem gostava de você, você era um babaca idiota que só pensava em si mesmo. Você era egocêntrico, egoísta e grosso pra cacete. E aquilo que você fez comigo, aquilo que você fez… foi imperdoável. Às vezes eu ainda sinto você em mim. Me sinto suja, não importa quantas vezes eu me limpe, a sua atitude imunda contaminou minha alma.
É que nem quando você se deita na areia e a sente em todos os lugares. E quando você chega em casa, vai tomar banho, e mesmo depois, ela continua lá, por dias e dias… Mas eu sinto até hoje, depois de anos.
Eu acho que eu até queria que você morresse, queria que você sumisse daqui, desse mundo que tinha tudo pra ser bom, mas você o estragou. Quer dizer, estragou pra mim, porque mamãe nem parecia se importar. Ela não acreditou em mim, na sua própria filha. Preferiu acreditar em você, esse porco sujo que vagava por aquela casa, como um espírito, já sem alma e sem coração.
Andando até a praia, lembro dos nossos bons momentos, lembro mesmo. Nós andávamos normalmente até encostar o pé na areia, depois disso a gente parecia louco, correndo o mais rápido possível, balançando a cabeça pros cabelos voarem, gritando sem parar. Mas, daí, chegávamos ao mar. Paz. Paz depois de tanta gritaria e confusão. Esse era o nosso momento de silêncio. A gente tratava o oceano como um deus, você lembra? Aquela cor azul misturada com verde… até me lembram seus olhos. Agora, estou me afundando neles, me afundando em “seus olhos”. Deve ser a única saída, o único jeito de acabar com essa gritaria e confusão existente em meu interior. Devo eu permanecer em seus olhos para sempre?
Nunca pensei que fosse possível odiar o mar, papai.