Anônima Indiscreta

O preço da destruição

Capturei o momento em que aquela antiga árvore sorriu para mim.

Era um sorriso vivido e refrescante assim como sua sombra grandiosa e ofuscante.

Raptei o instante em ela parou de sorrir.

E de repente o sol começou a ficar cada vez mais quente, como num inferno.

Ouvi atentamente seus lamentos de dor e agonia, que fizeram sentir sussurros de sua

ira. Eu tirei sua fonte de energia.

Em minha mente vinha o valor que esse pedaço de madeira vermelha me traria.

 

Sua família, se quer poderá lamentar depois, já que nem isso restou do lugar que um

dia isso aqui foi.

O cheiro doce das abelhas fazendo mel, a floresta que as fazia companhia.

Toda riqueza e beleza que foi levada para um lugar muito distante para ser alcançado,

distante demais para ver o que eu tinha devastado.

Roubei daquela singela árvore perto da nascente.

E ousei roubar seu maior pertence.

 

Suas folhas verdejantes que antes dançavam de alegria agora, só choram.

Choram, por mais um instante roubado. Choram, por mais um povo massacrado.

Choram, por mais uma lembrança esquecida. E choram com saudade daquela vida.

 

As vidas que a mata guardava, o povo que cuidava da fauna,

 as flores que esse mesmo povo regava, e tudo mais que ali fora cultivado.

Agora tudo parece uma triste história esquecida de uma cultura destruída

que sumiu sem deixar sinal da vida que houve ali um dia.

 

Sei muito bem o valor do que roubei. Peguei bem mais do que devia.

Levei histórias, mais que isso, raptei vidas, memórias.

Agora, assisto aquela linda árvore cair. Vejo suas lágrimas descerem.

Escuto seu último suspiro, respiro seu último ar.

E o pedacinho da vida que ela tinha, acabei de tirar.

 

Agora, as águas caem sob minha cabeça, levando tudo o que as pertença.

Agora, a terra reivindica o que não é meu e recupera o que peguei.

Com muito mais violência e veemência do que jamais ousei ou ousarei.

Os céus não param de gritar e chorar, gritar e berrar como a árvore cuja vida ceifei.

E as árvores que ainda restaram lá, no lugar que um dia foi meu,

entram no que restou, no que em alguma ocasião me atrevi a chamar de lar.

 

Ah se eu tivesse escutado aquela árvore...

Se não tivesse roubado sua moradia,

se deixasse o que não me pertencia, talvez ainda houvesse algo aqui,

talvez eu não estaria assim. No fim foi bem pior, não só para mim.

 

A memória daquela planta charmosa e orgulhosa levarei em meio a meus lamentos,

junto a meu eterno sofrimento.

Meus filhos não aprenderam e fazem o mesmo. Anos depois

cometeram meus erros. Minha herança será apenas essa triste lembrança de

uma era extinta, de uma alma arrependida.

Agora, vejo tudo se repetir incessantemente. Me arrependo de novo, de novo e de

novo por algo que não posso concertar.

A mata até tentou me avisar, mas eu me recusei a escutar.

Esse é o preço que sou obrigado a pagar.