joaquim cesario de mello

NADA MAIS SERÁ COMO ANTES

 

Nada mais será como antes

depois que eu já não viver mais

 

O Sol brotará indiferente

vindo por detrás do horizonte

a iluminar o quarto em que estou ausente

onde outra pessoa estará dormindo

sonhando sonhos que não são os meus

 

O espelho que está no banheiro

não mais enxergará minha nudez

e a água na qual me banhava no chuveiro

será como o rio de Heráclito a me levar

ao salgado interior distante do mar

em cujas ondas ali não irei mais surfar

 

Nunca mais se ouvirá minhas palavras

as faladas, as escritas e as sonegadas

assim como os versos que não escrevi

jamais encontrarão olhos de gente

e o Mundo será privado do poema que não leu

e o Universo perderá o poeta que não conheceu

 

Na fruteira as bananas que não comerei

apodrecerão órfãos da minha boca

as calçadas não terão minha sombra

as aliviar da quentura dos verões vindouros

e as formigas se alegrarão por sobreviverem

ao esmagar dos calçados que não mais porei

 

Quando eu daqui sumir

nada mais será como antes

 

As manhãs não serão as mesmas

as árvores vão viver encurvadas de nostalgia

as chuvas serão lágrimas choradas das nuvens

as traças e os cupins farão greve de fome

todos os dias serão feriados de finados

ninguém mais irá retirar poemas da Poesia

as livrarias fecharão as portas em minha homenagem

e o Cosmos se encobrirá com o negro do luto

ficando taciturno por toda a sobra da eternidade