Nada mais será como antes
depois que eu já não viver mais
O Sol brotará indiferente
vindo por detrás do horizonte
a iluminar o quarto em que estou ausente
onde outra pessoa estará dormindo
sonhando sonhos que não são os meus
O espelho que está no banheiro
não mais enxergará minha nudez
e a água na qual me banhava no chuveiro
será como o rio de Heráclito a me levar
ao salgado interior distante do mar
em cujas ondas ali não irei mais surfar
Nunca mais se ouvirá minhas palavras
as faladas, as escritas e as sonegadas
assim como os versos que não escrevi
jamais encontrarão olhos de gente
e o Mundo será privado do poema que não leu
e o Universo perderá o poeta que não conheceu
Na fruteira as bananas que não comerei
apodrecerão órfãos da minha boca
as calçadas não terão minha sombra
as aliviar da quentura dos verões vindouros
e as formigas se alegrarão por sobreviverem
ao esmagar dos calçados que não mais porei
Quando eu daqui sumir
nada mais será como antes
As manhãs não serão as mesmas
as árvores vão viver encurvadas de nostalgia
as chuvas serão lágrimas choradas das nuvens
as traças e os cupins farão greve de fome
todos os dias serão feriados de finados
ninguém mais irá retirar poemas da Poesia
as livrarias fecharão as portas em minha homenagem
e o Cosmos se encobrirá com o negro do luto
ficando taciturno por toda a sobra da eternidade