E se eu soubesse o tempo que me resta
O que eu faria?
Tentaria uma nova fé e me converteria
e nela me lançaria com tanta força
tal qual aquele, que quase afogado
avista um tronco que boia na água
e faz dele sua salvação.
Ou, zangado com os deuses e indignado com a vida
perdendo qualquer fé, esperança ou razão
xingaria e amaldiçoaria tudo e a todos
pensando em como seria eu arrancado
de Gaia antes do tempo.
Ou, diante da triste notícia e
invadido por uma sublime e doce impotência
as lágrimas da dor sentida
ao molharem meus olhos
seriam agora um colírio
que me faria enxergar tudo e a todos
de forma e formato diferente
então…
No bandido veria
… a infância perdida.
No homem violento
… um ser inseguro.
No rico soberbo
… um mendigo de afeto.
No político corrupto
… um analfabeto da ética.
No capitalismo selvagem
… o menino guloso que come sozinho os doces até a barriguinha doer
mas não consegue doar, o que ele não consegue comer.
No horror das guerras
... um muro de ódio construído com os tijolos da ambição.
Nas rugas do ancião
… as linhas tortuosas de um caderno que se chama vida.
Enfim, em mim enxergaria
… uma ínfima e quase invisível partícula do universo
que um dia teve corpo e nome
viveu, chorou e sorriu
como todos os mortais
e agora continua o incrível e maravilhoso mistério da vida
em outro e indefinido lugar
talvez em outro tempo
quem sabe com mais entendimento
enxergando melhor por fim
sem precisar do colírio das lágrimas.