joaquim cesario de mello

A HISTÓRIA DOS MEUS ESPELHOS

 

Foram tantos os espelhos

que ao longo da vida

do outro lado olharam para mim

 

O primeiro tinha um bebê

que se parecia muito comigo

e que me olhava sorrindo

com surpresa e alegria

 

Depois teve aquele espelho

que me ensinou a escovar os dentes

de cima para baixo

começando pelos dos lados

e terminando com os da frente

 

Alguns poucos anos seguintes

o mesmo espelho me viu banguela

como se tivesse aberto na boca uma janela

pelo leite dos dentes que não derramei

 

O terceiro espelho se assustou

com minha cara cheia de espinhas

só não enxergou minha agonia embaixo

porque envergonhado dele apagava a luz

 

Tenho saudades do quarto espelho

pois foi nele que apaixonado ensaiei

incontáveis juras eternas de amor

e nenhuma delas sequer foi cumprida

 

O mais triste dos espelhos

foi aquele que estava em janeiro

no dia em que penteei os cabelos

antes de ir ao enterro de minha mãe

 

Teve espelhos que me viram

inseguro e hesitante

inquieto, aperreado e confuso

enquanto outros me olharam

animado, jovial e vibrante

teve até um que me flagrou

esnobe, convencido e arrogante

 

Agora que o espelho do hoje

me contempla calvo e grisalho

com vincos cavados pelo tempo

será que por estar novamente desdentado

ainda vou poder retornar ao meu menino

e encontrar meu primeiro espelho?

 

Quantas faces deixei encravadas

nos meus tantos espelhos?