MALHAÇÃO DO JUDAS
A vila se reune para costurar um boneco,
a figura do Judas, objeto da vingança coletiva.
Com mágoa antiga, a viúva separou roupa
do finado, bebedor e mulherengo.
Com vergonha de castigos injustos,
os meninos desfiaram o recheio de palha.
Com linha grossa, e a carência das noites
vazias, a tia costurou pernas e braços.
Com ódio dos namoros da mulher
o corno encheu o boneco de morteiros.
Com carvão e revolta, na cara do monstrengo,
o peão riscou os bigodes do coronel.
Com saudade do sedutor, e o chapéu
esquecido, a mãe solteira completou a obra.
Sexta-Feira Santa, quanta raiva!
Junta a fome do jejum, da abstinência,
a tristeza da paixão de Cristo,
mais as dores que a vida traz.
No Sábado de Aleluia descarregamos
a fúria no Judas, bode expiatório
de nossas frustrações.
Entre gritos e cusparadas, a gente arrasta,
bate e rasga, até o maligno explodir
em chamas, pólvora e enxofre.
Judas morreu. Cristo ressuscitou.
De alma lavada, cheios de esperança,
celebramos o Domingo de Páscoa.