O meu olhar já não enxerga as cores como outrora, trêmulo, embaçado, vejo um dia acinzentado nos primeiros sinais da aurora. Preciso de lentes para ler, juntar palavras, escrever, enxergar o mundo, compreender, que o tempo passa, que tudo cessa, e que ter pressa não adianta mais. O meu olhar agora é diferente, enxerga o mundo, muito mais gente, cada detalhe de uma canção, as marcas na pele, as cicatrizes da alma construídas de emoção.
O meu olhar já não enxerga as cores como outrora, vejo as flores nos jardins, ouço pássaros e querubins, sinto o cheiro do dia, da brisa em meu rosto, e independente se maio, abril ou agosto, eu quero viver. Aprendi que a vida passa veloz, latente, pulsante, cheia de nós, e que eu nada posso exigir, senão viver, cada segundo, minuto, cada dia que eu ganho um novo amanhecer.
O meu olhar já não enxerga as cores como outrora, já não busca o horizonte ou o lado oposto do muro, é um olhar vivido, contido, maduro, enxerga as flores, os espinhos, quase todos os caminhos que levam a lugar nenhum. Mas se olho com atenção, perto de mim, ao alcance da mão, vejo tudo que eu preciso, sem loucura ou prejuízo, o essencial para viver, o amor, as pessoas, a oportunidade de aprender, entender que as minhas cicatrizes formam novos matizes que muitos não conseguem ver.
Sim, o meu olhar já não enxerga as cores como outrora, os meus passos estão mais lentos, a minha voz já não reverbera, meus cabelos brancos destoam da atmosfera, mas os meus sonhos e até os meus medos se identificam com a primavera. O meu olhar já não enxerga como outrora, mas ainda tenho a emoção, e aprendi com as cicatrizes que as dores e os temores é que movimentam o meu coração.
O meu olhar? Não, ele já não enxerga as cores como outrora, tudo bem, eu tenho as marcas do tempo, tenho a noite, as estrelas, eu quero apenas viver o agora. Agora eu enxergo o mundo de outro jeito, quero apenas ser feliz, ainda que num mundo imperfeito, quero ver o teu sorriso, quero cantar e dançar, escrever poesias e o mundo enfeitar, e as cicatrizes que tenho, eu não quero apagar, pois se o meu olhar já não enxerga as cores como outrora, o que eu quero sem demora é a vida aproveitar.
Jose Fernando Pinto