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Hébron

Destino

 

Pai, por que me abandonaste?

Um silêncio profundo, escuto a paz quando me aquieto do mundo.  

  

Uma tormenta imprevista que me arremessa na reflexão involuntária e intimista, reflexão que me direciona o alvedrio e se faz vela de direção nesse mar bravio.  

  

Diante do espelho, o reflexo me favorece o reparo, o nexo, equilibra o plexo, simplifica o complexo...  

  

Nas profundezas em que me toco, em meio às distorções da luz e da sombra que me tiram o foco, uma multidão de mim de repente me assusta e, em desatino, esboço uma fuga...  

  

Mas sou impedido pelas correntes de caráter inexorável, com cheiro de uma mistura dos tantos eus que me saliva a boca, com gosto ainda um quanto impalatável:  

  

O faminto é o cativo da fome!

Invisível esquecido de nome!

Sorvendo dor, carente do amor...

Se é alimento, degusto alheio ao sabor...  

  

Quase sem esperança, rebatendo-me à procura do fôlego, a fé se faz a tábua que me mantém à tona, mesmo trôpego, garantia da minha salvação...  

  

Só assim percebo que meu coração é tomado, de um esplendor da sensação que me parece impossível é arrebatado! Ímpeto rumo à luz, qual a planta prescinde da razão!  

  

Como posso de fora observar pela janela a dentro a própria providência infinita?

A ignorância orbita!

Como posso de fora ver em meu interior toda dimensão sideral?  

  

Inconclusões, enigmas transcendentais!

Arcanos, dilemas metafísicos, existenciais!  

 

Olho para baixo e vejo dor, vejo discórdia, futilidades, rusgas e lutas vãs, gente aflita...

A escuridão grita!

Alvoroço infernal, malsão, bestialidade das sombras, despenhadeiro abissal...  

  

Inconclusões, enigmas transcendentais!

Arcanos, dilemas metafísicos, existenciais!  

  

Ergo a face e me deparo com o eloquente chamado do horizonte indefinível, onde nasce e onde se põe o sol e de onde surgem todos os astros, as estrelas e constelação, sempre adiante de mim, imponderável, inspirando-me, acalentando-me o coração...  

  

Olho para o alto e nada enxergo, tudo se espraia, tudo se esvai... Mas escuto ecos das dúvidas do meu eu humano, sinto um certo abandono, cão sem dono... Devaneios tolos, ilusão da criança no seio da mãe, no colo do pai...  

  

Por que me abandonaste?  

  

O desconforto promove movimentos, um soerguer, a necessidade precipita ação, reação, os desafios instigam todos a querer sobreviver, a querer viver...

  

E viver é seguir a viagem contemplando a paisagem, caindo e reagindo, ignorando o destino, provendo-se nas paragens....  

 

Talvez escolha seja sinônimo de vida...

Talvez a provisão seja a fé rediviva...  

  

Sempre haverá um abismo a lhe enfrentar o olhar, a lhe chamar para a queda que também é uma andada, é caminhada, que se pode contemplar, pode-se aproveitar...

  

Mas na dúvida, sugiro agarrar-se à fé, sem medo do caminhar além, avante, mesmo não vendo o horizonte, sem temor ao que possa ser, ao que possa vir, ao que é, ao que der e vier...

  

Enquanto não se constrói a convicção de poder voar sem as dúvidas que o medo fazem ressoar, sem o receio daquele que lhe agride, sem a sensação de abandono que aflige.  

  

O céu também é uma jornada, em ti se decanta e faz sua morada, enquanto o destino é o próprio Deus que está em toda estrada, estrada que faz chegar... Destino é Deus que está em toda parada de descansar...

  

E em toda parada de refazimento, de reabastecimento, é o próprio Deus que está no olhar do outro e em seu coração, que está aqui e ali, na poesia e na canção ou na ausência do som, silente, Deus é onipresente...  

  

O destino é Deus em seu pensamento,

Em toda inspiração, em toda a verdade

Destino é amor, sopro de vida, criatividade

Deus é amor em arrebatamento...  

  

O destino é a criação!

Afirmação da divindade!

É solução!

É a pergunta e a resposta!

É o resgate! É a recolta!

É a chave de tudo que não se sabe...  

 

Por que me abandonaste?

 

Um silêncio profundo, escuto a paz quando me aquieto do mundo.