Letícia Alves

Entre o momento-lento e o sono-sonho o poeta veste-se de palavras

 

Debaixo da cobertura criada pelo sol, levemente aquecida.

Os dias têm passado cada vez mais depressa, contudo alguns

momentos se desenvolvem lentamente, ainda nesse instante.

 

Adormecida entre a penugem do pensamento. 

Tudo que é considerável é esquecido, o nada é tão específico...

Naturalmente se esquece de lembrar, para não

precisar lembrar de esquecer e apenas adormecer.

 

O sono-sonho é amuleto. As linhas espessas pelo nevoeiro

que chega são leves. O nevoeiro é denso. Mas no sono-sonho

só o vejo em desenho, em linhas num fragmentado espaço-tempo.

 

Agora o dia está no fim. Encontro, mais uma vez, um resquício

de momento-lento e sono-sonho nele. Deslizo os olhos para

baixo e só assim enxergo um mundo lá em cima. 

 

Anoiteceu. Estar sob a luz da lua, sob a alvura leitosa do astro,

consumindo a brisa que parece levar-me ao mais sagrado do

espaço é momento-lento raro. O universo é algo incomensurável.

 

Dia e noite calar é decidir não ser, não ser é não caminhar,

não caminhar é morrer. Por isso o poeta não cala e escreve.

Dia e noite embevece o mundo, seja o do momento-lento seja

o do sono-sonho, com palavras. As palavras fantasiadas

vestem-me. Esse pano sou eu.