Minha primeira lembrança foi o frio. Já cheguei chorando. Onde já se viu me tirar do aconchego!!! Tava bom lá.
Mas aí, me enrolaram em um cobertor e ganhei o primeiro abraço da mamãe.
Como era boa a sensação. Quentinho, confortável. Senti pela primeira vez o amor.
E acostumei a isso.
Mas o tempo passou e agora eu sou jovenzinho. Fiz amigos e o abraço da mamãe ficou uma coisa distante.
As pessoas em volta gostaram de mim. Alimentaram meu ego com elogios. Fizeram me sentir único.
E me acostumei a isso.
Bom, o tempo não para e agora cresci. Um jovem adulto, formado, procurando um bom emprego.
Lembro do abraço da mamãe. Já não me elogiam tanto e meu ego sente falta da massagem. Muito menos amigos.
A esperança e me sentar no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar.
Mas nunca será assim. Emprego toma energia. E gastei a maior parte da minha vida enriquecendo os outros.
Me acostumei a isso.
Veio a família, os filhos, as contas. Me vi preso ao mundo. Amigos são raros.
Mais críticas que elogios. Mais responsabilidade e arcar com as consequências.
E aos trancos, barrancos e pedras no caminho, fui seguindo sem olhar pra trás.
E me acostumei a isso.
E depois de velho? Parcas amizades. Parco dinheiro, diversas adversidades.
Já não tenho o calor do colo da mamãe, nem um monte de amigos, nem massagem no ego.
Apenas dores, lembranças, odores, a falta de amores
Mas tudo bem. Entre tantas idas e vindas da vida,
me acostumei a isso.
Mas aí veio a morte. E pouco antes, pensei, será que valeu???
Me ví em um lugar quente e fétido sendo açoitado por demônios e espetado por diabretes
A dor lancinante e os pedaços de carne caindo podres do meu corpo.
Mas, bem no fundo, eu sei, tudo bem. Pq, como um bom soldado,
eu me acostumo a isso.
O que vem depois?