joaquim cesario de mello

A RODA DO TEMPO

 

Os vidros das janelas estão manchados de ontem

a empoeirar os móveis e os objetos da sala

como uma fina névoa acumulada de passados

 

Tudo ao redor parece roído pelo consumo dos minutos

no extinguir vaporoso da tarde

que ruma conformada ao final do dia

que amanhã borrará ainda mais

as vidraças já tão sujas e maculadas

 

Se o Sol soubesse das horas

amanheceria atrasado e demorado

apenas para se pôr depois da noite

e um pouco antes da próxima madrugada

 

Mas o Universo é analfabeto do tempo

e o tempo que não usa relógios

é como um ácido invisível

que derrete metais e plásticos

dissolve cálcios, madeiras e tecidos

deixando somente para trás

o amarelecido carcomido dos restantes vitrais

 

E assim tudo aos poucos vem e se vai

o Sol, as manhãs e as tardes

e o que sempre fica nos seus lugares

são essas noites escura de estrelas caducas

a escutar o choro infantil das maternidades

 

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Originariamente publicado no livro MEMÓRIAS DO ESQUECIMENTO, Joaquim Cesário de Mello (Ed. Giostri/2023)