Letícia Alves

A Utilidade do Inútil

O que é fascinante me leva demasiado longe.
Nas coisas ínfimas sinto a grandeza;
a destreza das montanhas me chama,
eu ouço e espero conseguir alcançá-la.

Quando se compreende a utilidade do inútil,
transcende-se a visão outrora empobrecida,
abre-se para a arte. Porque no inútil descansa a paixão,
a primazia das cores, os sabores sentidos e os sentidos
em sabores; o saudosismo, o abrigo da árvore,
a vida no reino da arte. Chove, mas chove o silêncio.

O momento em que o Homem se elevou
aos animais não foi quando criou a máquina e
a velocidade, foi quando colheu uma flor e a amou.
Colheu duas riquezas inúteis e viveu. O necessário
é tão preciso e precioso. Deter-se nele traz à memória
cama quente, abraços da relva e aconchego de mãe.
Longe da pressa cultivo poesia, umas do pé de laranjeira,
outras atrás da mangueira do pensamento, cítricas e doces,
cada verso engloba um horizonte esperado e o meu hoje.

O inútil torna o Mundo mais belo, a abelha aprecia o inútil,
o elefante aprecia o inútil, o papagaio aprecia o inútil,
portanto, também eu devo estimar o amável inútil.

O inútil da Primavera eu abraço;
O inútil do Verão eu pulo que nem corda;
O inútil do Outono eu caio com o vento e o canto;
O inútil do Inverno eu adormeço e me conheço;

A graça reside na existência do saber que na escala
dos seres vivos, só o homem é abençoado com a
dignidade da inutilidade. Na existência-vida prefiro
gerar o que é útil, modelando as argilas do sonho.