EM BUSCA DA PERSONAGEM
Chico Lino
As palavras do professor
Ressoavam nítidas em minha cabeça
Quando sai da aula
De Criação da Personagem
Contava nessa época
Com meus dezessete anos
Cursava Teatro
Queria ser ator
Eram quase cinco horas
De uma plúmbea tarde
Caminhava entre transeuntes
Em busca de condução
Resolvi praticar as teorias
Que acabara de apreender
Ia à minha frente um rapaz
Que devia ter minha idade:
Cabelos loiros, barba rala
Olhar fixo na calçada
Passei a segui-lo
Como um espelho
Procurei imitar todos seus movimentos
Adotei o arqueado
Que ele tinha nas costas
Cabeça baixa
Mantinha uma confortável
Distância para não ser flagrado
Em seu rosto havia um certo desespero
Procurei adotar aquela máscara facial
Ao tempo que imaginava as razões
Que o levaram àquele estado
Fomos andando
Ele com suas razões
Eu interessado nelas
Me projetava cada vez mais
Na minha personagem
Num repente
Ele me fitou
Senti-me apanhado
Vi um brilho viscoso
Em seus olhos
Eram os mesmos
Com os quais eu o fitava
Senti-me descoberto
O mesmo sentimento
Pareceu ele ter
Os gestos que ele fazia
Já não eram miméticos pra mim
Estudante de teatro
Gestos que eu já repetia
Sem querer àquela altura
Ele chutou uma pedra
Meu pé foi e voltou doendo
Gritei
Dos seus lábios saíram o som
Eu disse, me deixa
Ele disse me deixa
Com o mesmo tom
Na voz
Passamos por um viaduto
Voltei à claridade da tarde
Não o vi mais
Levei as mãos a testa suada
Eram as mãos brancas dele
Que me enxugavam
Qual era a minha cor
Minha voz
Como era
Quem seria ele
Eu, quem era
Buzinas alimentavam
A minha-nossa confusão
Houve uma freada
Antes do baque
Soube depois
Um jovem de dezessete anos morrera
Ao passar pelo viaduto
Depois da saída da Escola de Teatro
Queria ser ator