joaquim cesario de mello

COM ASAS DE BORBOLETA

 

Quando o corpo me for embora

e minhas mãos não tocarem

o mundo de que é feito as coisas

 

Quando o céu deixar de ser azul

e não poderes caminhar por sobre

o aveludado das nuvens dos meus sonhos

 

Quando não mais soar a hora do Ângelus

nem em meus tímpanos moucos escutar

o despertar dos relógios no terminar das noites

 

Quando já não sentir fome de pão

ou a necessidade de a água ressecar-me a boca

deste rosto que nenhum espelho novamente olhará

 

Quando meus caducados pulmões trocarem

a clorofila do ar exalado das plantas e das árvores

pela pureza translúcida do éter dos deuses

 

Quando me retirar do perigo de viver

e a morte não assombrar as horas futuras

ou o dobrar incerto e arriscado das esquinas

 

Quando tudo for apenas ausência

e nada mais importar que a saudade esquecida

em minha esvaziada memória de lembranças

 

É porque chegou o instante derradeiro

em que me apartarei do solo da terra

e com o borboletear adejante das minhas asas

irei refrescar o calor ensolarado dos dias

no perfumar delicado das novas primaveras