Quando o corpo me for embora
e minhas mãos não tocarem
o mundo de que é feito as coisas
Quando o céu deixar de ser azul
e não poderes caminhar por sobre
o aveludado das nuvens dos meus sonhos
Quando não mais soar a hora do Ângelus
nem em meus tímpanos moucos escutar
o despertar dos relógios no terminar das noites
Quando já não sentir fome de pão
ou a necessidade de a água ressecar-me a boca
deste rosto que nenhum espelho novamente olhará
Quando meus caducados pulmões trocarem
a clorofila do ar exalado das plantas e das árvores
pela pureza translúcida do éter dos deuses
Quando me retirar do perigo de viver
e a morte não assombrar as horas futuras
ou o dobrar incerto e arriscado das esquinas
Quando tudo for apenas ausência
e nada mais importar que a saudade esquecida
em minha esvaziada memória de lembranças
É porque chegou o instante derradeiro
em que me apartarei do solo da terra
e com o borboletear adejante das minhas asas
irei refrescar o calor ensolarado dos dias
no perfumar delicado das novas primaveras