Abel Ribeiro

A vida: narrador e mediador

Durante esse desgostoso momento de pandemia se viu e se ouviu repetidas vezes, as palavras saúde, sentimento, casa, força, tristeza, ansiedade, angústia e muitas outras, porém, nenhuma foi tão evocada quanto à palavra vida. Talvez a palavra mais importante do vocabulário humano. Foi então que constatei que a vida não depende só da nossa vontade, mas da vontade de outras vidas, então ela é uma relação.

Isso mesmo, a vida é uma relação! Passa mesmo a perna em você todos os dias. Veja seus próprios movimentos, suas surpresas, seus imediatismos inesperados. Gostemos ou não! Dessa verdade ninguém escapa, e é dela surge uma defesa para uma possibilidade de vida feliz, tipo: \"jamais perca o seu equilíbrio, por mais forte que seja o vento da tempestade\" (Ponto de Equilíbrio).

Vira e mexe falamos, ouvimos, cantamos, poetizamos, pintamos a vida. Andei escutando que \"a vida é um narrador não confiável\", assim como \"o escritor não é um narrador confiável\". Ambos, vida e o escritor, trabalham a história e a narrativa de acordo com seus desejos. A vida faz isso todo dia, já o escritor troca o nome, o local, a cena, o final, o personagem, enredo e muda o fim da história.

Ai você se pergunta: A vida tem jeito? Tem! Se soubermos viver a sua narrativa inesperada.

Shopenhauer afirmou o seguinte: \"Querer é essencialmente sofrer, e como viver é querer, toda existência é essencialmente dor. Quanto mais elevado o ser mais sofre\". A força dessa ideia da vida, um pouco negativa, um pouco realista, esquece o sujeito. A cada epígono ela reserva um papel, um curso, um herói. Não há vilões por acaso na expedição da vida. Daí a vida é devir, as gerações seguintes pertence à mudança e a disputa de narrativa com a vida.

Muitas almas grandes da história tiveram vida curta e produção longa, vivem e inspiram até hoje muitos outros. A vida é presentificação do passado! No tempo de suas vidas, os grandes não sabiam que se tornariam imortais aos viventes do presente. Eis que nosso tempo colocou a nossa vida na berlinda diante da situação imposta pelo diminuto ser, agora temos que encarar o ato de viver para não morrer antecipadamente. Ninguém disse que o ano seria 2020. Ela, a vida, colocou você na cena, pra te provocar e te provar.

A vida nos deixou de joelho, agora só nos resta levantar e encontrar o seu mais íntimo sentido, mesmo que seja controlando nossos desejos. Sou agora o narrador e vou terminar essa crônica com a minha vontade, contra os filisteus, vulgares e convencionais, que desprovidos de inteligência, brincam com a vida.