Letícia Alves

A Cegueira Clara

Os olhos que acreditam poder ver tudo nitidamente, mas o que se vê, entretanto, é a cegueira na sua forma mais realista, implacável e objetiva. É a brancura que cega, a falta de percepção dos contrastes, a visão que já foi tomada e,por não o saber, não sente a angústia pungente de ver o incolor com o seu brilho massivo. De modo contrário, a alma ignorante e perdida, de maneira súbita, permite que a mancha da cegueira faça-se visão completa e única.


Por essa razão, mais do que nunca, vive-se num mundo repleto de cegos que se julgam dotados de visão iluminada, cegos que temem uma suposta escuridão\' que, outrora, num mundo de cosmovisão, límpido, seria a verdadeira luminosidade. Tal ideia passa a ser devaneio universal absoluto.


Olhos limitados a ver a luz morgada da lâmpada amarelada e velha. Mas não se dão conta, para eles, essa é a luz-verdade suprema. Enxergar, aperceber-se e notar o difuso – o que é noite e o que é alvo – soa como uma mensagem ingénua e desprezível para os cegos covardes.


Impelida pela esperança absurda de restaurar a visão, lavar os olhos com a imensidão do real, do que é, sento-me nessa terra pueril e, aparentemente, inútil, lançando gritos silenciosos aos ventos, audíveis para quem quer ouvir. Implorando amarguradamente pela mundivisão tomar conta de todos os olhos na sua forma original. Refazer o equilíbrio com o que é realista, resoluto e inequívoco.


Esses olhos cansados e escuros transportando um caimento lúgubre estão cansados de carregar o peso da sensatez, de abdicar, calando-se em tempos onde a sua fala é urgente, mas não é a chave para a massa cega, desobediente e inflexível. Sustentar a lucidez é sustentar o que é intangível e, por si só, insustentável.


A sustentação nunca deveria ser o alvo, senão a contemplação, objetiva
e verdadeiramente clara. A legião consome a fulgura definitivamente cega.
E eu vivo, no meio disso, afixando as \'ilusões\' reais pelos intrusos que bebem do cálice lúcido.