ABORTADA POESIA
O Pôr do Sol deslumbra a colorir o horizonte.
No Bar da Esquina eu me sento.
E vejo a vida a percorrer.
Passantes de semblantes soturnos;
outros, sonâmbulos, desfilam preocupações;
outros sorrisos expandem;
outros ocultam mágoas numa face contraída.
Um casal tenta no \"jogging\" o impossível contra o sobrepeso.
E tenho dó...
Um luzeiro inquieto espera, no semáforo, adiante.
De repente os farois e o atrito dos pneus no asfalto demonstram liberdade.
Há um esplendor de luzes na Avenida...
Na minha frente um jovem solitário demora na cerveja, absorto
no seu pensamento introvertido.
Com o olhar longe à frente, mas nada vê.
estático, degusta momentos parados no tempo...
Ao lado uma linda mulher apressa o amado pelo celular.
Além um casal trocam brindes de bons auguros de \"saúde\"...
Duas mulheres solteiras, à minha esquerda, divertem-se com uma garrafa de Brahma,
Gargalhadas ecoam de pares das mesas estendidas no passeio adjacente ao Bar.
Dois homens a beber cerveja num eufórico bate-papo com frango à passarinho.
E de abdômens abaulados desprezam um hígido futuro.
Um deles sussura: aquele velho de óculos escuros é um requeiro jubilado
Ainda de cabelos longos, embora brancos, renegam a idade,
E eu me senti presente.
Agora noto das duas mulheres quatro crianças eufóricas com o picadinho de carne acebolado
Lamento a ausência de macho; e uma intrusa e maliciosa suspeita me incomoda
Desligo-me delas e volto-me a introspectivo
Mesas vazias sonham com fregueses...
Lindas pernas, aleatórias, entram no recinto,
com rostos esperançosos a expandirem juventude
E pela ampla visão, o bar torna-se um jardim florido.
Eu me sinto a querer integrar-me no ambiente e do garçom recebo uma vodca.
Outros garçons pressurosos e solícitos perpassam por mim
que peço mais uma dose.
É quando sinto que a química nos meus neurônios não mais existem...
Foram-se os dias da juventude.
Careço da euforia pelos oxidados neurônios.
Será que devo ir com outra dose?
Na dúvida espero, aproveito o tempo
e observo ao redor...
Uma loira de costas vira-se pra mim!!
Descuidei-me da força que um olhar exerce sobre a nuca das pessoas...
Mesas vazias sonham com fregueses...
Lindas pernas, aleatórias, entram no recinto,
com rostos esperançosos a expandir juventude
E pela ampla visão, o bar torna-se um jardim florido.
Há uma poesia no ar...
Pudera tê-la em meus escritos...
A terceira dose de vodca me traz o golpe fatal:
pela disfunção dos neurotransmissores cerebrais,
ou pelo deficiente metabolismo hepático
a ação psicotrópica do álcool terminou em efeito paradoxal.
E me retiro, já em ressaca antecipada,
E abortada poesia.
Tangará da Serra, 24/08/2023.