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Letícia Alves

Reflexões de um período de lua cheia e interior minguante

Eu hoje gostaria de escrever um texto, um que fosse verdadeiro.
Na verdade, mais que isso: algo que fosse permanente,
que eu não esquecesse, que fincasse no coração, não só na mente.
Queria lembrar que cada campo de flores em que me imaginei
era como o lilás cruzando a relva fugazmente,
cada flor de lá, no final, era uma vitória.


Esse é o abraço confortante que alcança o seu
ápice de calor em tempos frios – passa sussurrando
gentilmente me fazendo lembrar das flores novamente,
quase que vividamente. Eu toco as memórias, mas
não posso prendê-las nas minhas gaiolas.

Descobri que é possível ser feliz, carregando gentilmente um
coração ¹(in)feliz, mesmo sendo uma borboleta de luz azul isolada
nesse mundo. Por ser azul, capto o azul universal, na melancolia
do esplendor: a lua segue intacta iluminando à costa do mar –
é a vida acontecendo de novo. Tudo que eu quero precisar. 

Sinto que eu sonho muito. Vivo muito. Penso sobre tudo, sobretudo
no ideal utópico. Todavia, não (des)escrevo todo esse mundo.
Escrevo pouco, como se fosse, antes de tudo, mudo nas mãos.
O pensamento é tão transitório e efêmero para recuperá-lo
em palavras e formá-los mais uma vez com as mãos que,
o que resta, muitas vezes, é a morte desse fugitivo.

Por falar em morte, morrer é preciso. Tão preciso!
Reconhecer o que segura todo esse tempo, abrir os
seus olhos por um momento para perceber as mentiras
que se escondem por trás das coisas dormidas,
normalizadas e volúveis. Beba. Beba até encher-se com
as dúvidas valiosas, só assim é possível notar o que te
envolve, socorre, abraça, acolhe, cobre, alimenta as
flores que murcharam e caíram pelo caminho; recolhe.

Recolha-se. Encolhendo-se e abrindo nova colheita. 

Ultimamente, tenho sentido o quanto é difícil perfurar por
longo tempo a realidade. Uma linha tênue: necessidade; vacuidade.
Tudo muito raso e breve. E aqui permaneço. Eu que ando em vias
frenéticas querendo compartilhar calmarias e ventos suaves.
Nessa linha (perdido-eu) as constelações se perdem,
na porosidade da pedra; nas lágrimas que regam a flor.

Tudo muito difícil. Assim como a semente que ninguém
nunca plantou, preparou, cuidou. Sou qualquer coisa
deambulante nos ventos ásperos, tentando permanecer
na flor. Fixa. Desenvolvo o meu ser até encostar na raiz.
Repouso na garoa da noite. Aceito no meu fulcral o
escurecer. No fim de toda a oposição, uma dúvida entrava
e uma resposta canta, sem que sejam ditas palavras.

Tive, esse tempo todo, que nunca passou, saudades
de mim. Mas sinto que estou me despedindo
de alguma cicatriz. Sei que algo, agora mesmo,
está morrendo em mim. Deixando de pairar sobre
mim. Evaporando na porosidade da vida –
Existência. Inalar e exalar.

Vou para qualquer lugar que seja esse lá. 


¹trocadilho com o significado da palavra \'in\' no inglês que passa a ideia de estar \'dentro dalgo\', nesse caso dentro da felicidade na sua forma pura, ainda que no português esse significado também carregue o peso de um pouco de infelicidade – (in)felicidade.