joaquim cesario de mello

POEMA SEM FIM

 

Quantos anos tem esse poema

que nem mesmo às mãos revelo?

 

Venho com ele desde antes do ventre materno

quando toda poesia era fluida e molhada

pelas águas amnióticas dos oceanos passados

 

Talvez o tenha herdado do meu pai

e ele do ativismo dos seus antigos ancestrais

que como um longínquo rascunho incompleto

vem se escrevendo em caligrafias invisíveis

sobre a superfície esponjosa de um papiro

que nem o ácido sulfúrico do tempo corrói

 

Na transgeracionalidade dos seus versos

acumulam-se íntimos segredos medievais

encobertos pela fina poeira das lembranças

armazenadas no interior epigenético dos DNAs

 

Se hoje reajo ao mundo com o espanto

dos deslumbrados olhares infantis que trago

é porque nasci com a predisposição ao fato

de continuar aquilo a que fui pelo ontem destinado

 

E ao amanhã mais amanhã em que não existirei 

vislumbro meu neto brincando com brinquedos de plástico

como se fizesse um longo poema dilatado

que há muitos anos ainda não foi terminado