Quantos anos tem esse poema
que nem mesmo às mãos revelo?
Venho com ele desde antes do ventre materno
quando toda poesia era fluida e molhada
pelas águas amnióticas dos oceanos passados
Talvez o tenha herdado do meu pai
e ele do ativismo dos seus antigos ancestrais
que como um longínquo rascunho incompleto
vem se escrevendo em caligrafias invisíveis
sobre a superfície esponjosa de um papiro
que nem o ácido sulfúrico do tempo corrói
Na transgeracionalidade dos seus versos
acumulam-se íntimos segredos medievais
encobertos pela fina poeira das lembranças
armazenadas no interior epigenético dos DNAs
Se hoje reajo ao mundo com o espanto
dos deslumbrados olhares infantis que trago
é porque nasci com a predisposição ao fato
de continuar aquilo a que fui pelo ontem destinado
E ao amanhã mais amanhã em que não existirei
vislumbro meu neto brincando com brinquedos de plástico
como se fizesse um longo poema dilatado
que há muitos anos ainda não foi terminado