Acordou como sempre acordava.
Com gosto de enfado, desânimo e desgosto.
Cansado, soturno, quase morto.
Mutilado de sentimentos ditos nobres.
Somente a aversão a tudo que fosse vida.
Uma alma ulcerada, moribunda, catatônica.
Infeliz, abriu os olhos com tristeza.
Prevendo o choro, cerrou os olhos com fúria.
Engoliu o soluço, cuspiu a autopiedade.
Se espreguiçou como que fugindo de si mesmo.
Veio-lhe um riso debochado e zombeteiro.
Era o seu ódio finalmente despertando.
Para lembrar-lhe do dia que o esperava.
De sua fome, de sua miséria, de sua doença.
De sua cor, de sua casta, de seus vícios.
Seria longo esse dia como os outros.
Intolerante, implacável, impiedoso.
Insensível, sádico e violento.
Insalubre, infrutífero, opressor.
Nublado, frio, Branco.
Que acabaria como todos os outros.
Lhe fazendo sentir-se culpado.
Por já não ter morrido.
E ter sua existência varrida.
Para a vala em que jazem.
Seus pares, os indigentes.