Victor Severo

Indigente.

Acordou como sempre acordava.

Com gosto de enfado, desânimo e desgosto.

Cansado, soturno, quase morto.

Mutilado de sentimentos ditos nobres.

Somente a aversão a tudo que fosse vida.

Uma alma ulcerada, moribunda, catatônica.

Infeliz, abriu os olhos com tristeza.

Prevendo o choro, cerrou os olhos com fúria.

Engoliu o soluço, cuspiu a autopiedade.

Se espreguiçou como que fugindo de si mesmo.

Veio-lhe um riso debochado e zombeteiro.

Era o seu ódio finalmente despertando.

Para lembrar-lhe do dia que o esperava.

De sua fome, de sua miséria, de sua doença.

De sua cor, de sua casta, de seus vícios.

Seria longo esse dia como os outros.

Intolerante, implacável, impiedoso.

Insensível, sádico e violento.

Insalubre, infrutífero, opressor.

Nublado, frio, Branco.

Que acabaria como todos os outros.

Lhe fazendo sentir-se culpado.

 Por já não ter morrido.

E ter sua existência varrida.

Para a vala em que jazem.

Seus pares, os indigentes.