PREMOÇÃO
Pensava dos dias: são todos iguais
Dias completos, ou faltos demais
Nunca fiquei, qualquer fosse o dia
Sem premoções pra minha poesia
Hoje, entretanto, disposto à compor
Sumiu da minh\'alma, influente ardor
O sol que reinou no infindo universo
Desapareceu, por sombras, imerso
Sinos não ouço na torre da igreja
Ave-Marias, Pai Nosso, Assim seja
O bom peregrino apostata da fé
Retrai, hesitante, de beato à Tomé
Não arrulharam pombas na tulha
Calou no vinil o ruído da agulha
Condenso de nuvens impede a lua
Lumiar crianças que brincam na rua
Amigos ocultam faces ao tempo
Folhas não alçam sem rumo ao vento
Tristes jardins, sem ramos e flores
Sem borboletas, e sem beija-flores
Não vi menestréis e suas cantatas
Não vi boêmios e nem serenatas
Tampouco eu vi debruçar na janela
A namoradeira, da estreita viela
Não vi mariposa topar na vidraça
Nem rodopiar no poste da praça
Quiçá me viesse trazer mau agouro
Feliz, deixaria, triste logradouro
Tu adormeces um sono de anjo
Pervígil eu sou, de vazio me abranjo
Me falta amor, e me falta carinho
Nem só por isso, me sinto sózinho
Confesso até que vivo meus dias
Tendo alguém só por companhia
Dando respeito, amizade também
Amor, algum dia, vem ou não vem
Só nunca pensei que a maior solidão
Fosse um dia faltar, à mim, premocão
Sem amor e carinho vive a alma vazia
Mas, morre o poeta sem a sua poesia