Nós, os mortos
saudamos os vivos
pois sem eles
estaríamos mortos
Felicitamos os olfatos
que nos renasce no evocar do cheiro
do perfume antiquado que usávamos
e que por aí ficou em alguma camisa
que alguém esqueceu de lavar
Como fantasmas palpáveis
continuamos na superfície das coisas
abandonadas ao mundo dos outros
que agora já não nos pertence mais
Naquela música que um dia dançamos
abraçados ao sonho das futuras eternidades
hoje nos faz bailar no piso encerado
de um salão que não existe mais
juntinhos e pregados ao sonho
das eternidades remotas do passado
Nós, os mortos
somos feitos de sabores
aromas, sons e lembranças
deixados por detrás dos panos
acortinados no fundo palco
onde ficam as covas rasas da memória
No memorial dos vivos
os mortos ressuscitam
como notas de rodapés
dos livros pessoais de cada história
Os mortos na vida morrem
ao deixar seus espaços na morte
para no rodiziar dos vivos
dar lugar ao chegar dos próximos mortos