joaquim cesario de mello

CEMITÉRIO DOS VIVOS

 

Nós, os mortos

saudamos os vivos

pois sem eles

estaríamos mortos

 

Felicitamos os olfatos

que nos renasce no evocar do cheiro

do perfume antiquado que usávamos

e que por aí ficou em alguma camisa

que alguém esqueceu de lavar

 

Como fantasmas palpáveis

continuamos na superfície das coisas

abandonadas ao mundo dos outros

que agora já não nos pertence mais

 

Naquela música que um dia dançamos

abraçados ao sonho das futuras eternidades

hoje nos faz bailar no piso encerado

de um salão que não existe mais

juntinhos e pregados ao sonho

das eternidades remotas do passado

 

Nós, os mortos

somos feitos de sabores

aromas, sons e lembranças

deixados por detrás dos panos

acortinados no fundo palco

onde ficam as covas rasas da memória

 

No memorial dos vivos

os mortos ressuscitam

como notas de rodapés

dos livros pessoais de cada história  

 

Os mortos na vida morrem

ao deixar seus espaços na morte

para no rodiziar dos vivos

dar lugar ao chegar dos próximos mortos