Ah, pai, por que me fizeste poeta?
Minha tristeza me tira a alma e a vontade de ser,
O tempo é o mesmo de ontem e será o mesmo amanhã,
Os amores trazem encantos e cores tão vivas,
Que nada mais quero ver,
Nada mais quero sentir,
Contemplo o corpo do meu amor, como se visse a face de Deus,
Não só Deus, mas o que antecede a tudo,
E o beijo, ah o beijo é porta para o outro mundo,
No qual eu vivo e minha existência é enfim justificada.
Pai, por que me fizeste poeta?
Minha lágrima não tem o peso de uma simples lágrima,
Ela é a chuva, a maré e o mar para quem nunca viu,
Meu amor é pungente,
Amo espírito e a carne,
Os olhos e o corpo despido,
Mas nunca eu.
Pai, acordo sentimento pela manhã,
E a cor do sentimento é o que serena e destrói,
A paz? Nunca hei de encontrar,
Pois a espero junto da liberdade,
E a procura da liberdade é o que me mantém….
Vivo,
Toda essa agonia,
Todo esse desejo de plenitude,
Mas com a solidão sendo o chão disso tudo,
Pai, sou o grito, e o mundo diante a tudo é silêncio,
Me diz, como eu posso cantar?
Talvez a paz esteja escrita nos olhos do caos,
E eu não sei ler o que nunca vi,
Afinal, pra quem vive na guerra a paz nunca existiu.
Tentei amar com a convicção plena de que só o amor existe,
E quis voar e tocar o céu,
Beber o brilho das estrelas e senti-las queimar a minha língua,
Mas quando tentei, vi que não tinha asas, nem amor,
E as estrelas que tanto amei já estavam mortas,
Seu brilho era só a lembrança e o desejo do que não se pode ter,
Acreditei veementemente que o segredo da vida era a esperança,
E esperei, esperei, esperei,
A necessidade da verdade virou fome,
O amor passou, a chuva caiu, o sol secou a estrada fria,
E matou as flores do meu jardim,
E ainda acreditando,
Como quem prestes a morrer de fome e sem nada para comer,
Pedi a Deus esperança, ao invés de comida….
Pai, fizeste do vazio do céu, o meu peito,
Das sementes, o próprio fruto que não plantei e não colhi,
Do fato, a abstração que sinto e transformo em versos,
Da dor e agonia, o meu estado natural,
Da minha mãe, a santa que nunca pariu,
E por isso nasci com mais humanidade do que nenhum outro filho,
Por isso nasci sem história,
Sendo tudo e nada,
Sendo um,
Sendo aquele que mesmo pregando paz,
É pregado tendo como veredito um traidor.
Mas a verdade oculta dentre essas linhas, é o tempo,
Que sempre muda, nunca para e sempre passa,
O tempo nu e cru, que tira a vida,
A inocência de quem acredita que ainda tocará o céu,
A esperança do amor infinito,
E o coração de quem sente não como quem sente,
Mas como se fosse,
É assim que eu sinto,
E nada mais sentiria,
Se acaso a morte me encontrasse.
Se acaso a morte me encontrasse,
Meus sonhos morreriam comigo,
Seria eu, talvez, aquele que só poderia ter sido,
Meu amor, teria consigo para sempre, tudo que lhe doei e tudo que me doeu,
Seria então, o amor infinito,
Não haveriam Clarices para instigar a vida e explicar sua dor continua,
Os livros que nunca li permaneceriam na estante, sendo os mundos que nunca conheci,
Os caminhos que não tracei, seriam o retrato do medo tive de pisar no chão e desistir de tocar o céu, mesmo assim, seus destinos continuariam existindo,
Aos amores que não pude conhecer, tristes seriam, pois não haveria mais quem pudesse lhe mostrar que o amor é poesia,
A minha mãe, já não mais conheceria o riso e toda felicidade que os teus olhos poderiam sentir, seria rio,
As canções que não cantei,
Os sonhos que não sonhei,
Os amores que não amei,
As dores que não senti,
A vida que não vivi,
O tempo que não senti passar,
E por isso, a dor que não senti…
A vida,
Se perde em si mesma,
Ricos de espirito são os que se perdem nela,
Pois das mulheres, é a mais linda e incerta,
E a certeza de que o poeta é um fingidor,
Pai, já não mais a teria,
Se acaso a morte me encontrasse.