joaquim cesario de mello

O DESTINO DOS LIVROS

Que destino terão meus livros
quando minhas mãos não mais os manusearem?

Quem decodificará minha alma formada
no interior folhoso das brochuras 
e dos calhamaços empilhados nas estantes
ou por cima das escrivaninhas
távolas, mesas e bancadas da casa

Livros são feitos de mudezes que falam
no instante em que a quietude das letras caladas
é exposta aos olhos bisbilhoteiros 
que esfomeados de espantos 
buscam no esfolhear desnudante 
os segredos embutidos na vida
que habitam a imensidão cósmica
dos deuses, de Delfos e do Universo 

Para onde irão meus diversos Fernandos Pessoas
e por quais mares nunca dantes navegados
irão singrar Moby Dick, Camões e a Odisseia 
edição capa dura de 1974?

Quem herdará meus livros fechados
por onde percorri milênios de histórias
lutei em Cartago 
cavalguei com Quixote
atravessei buracos seguindo coelhos
segui o mapa e achei o tesouro
passei férias no Sítio do Picapau Amarelo
conheci o retrato de Dorian Grey 
descobri o Horizonte Perdido
e como Bandeira fui também amigo de rei

E esse tanto de letras?
E essa abundância de palavras?
E essa enxurrada de ideias?
E esses véus rasgados?
E esses sonhos acordados?
E essa vida vista do outro lado?
E as incontáveis noites em claro
que passava lendo durante a madrugada
como se vivesse em uma Babilônia encantada?
(Quem ficará com minha face
logo após abrirem o meu inventário?)

Um dia me tornarei cinzas
como pó que o tempo acrescenta
às legendas escritas nas lombadas