Inventava memórias
balsamando a alma
de histórias criadas
para quando fosse velho
ter do que se lembrar
Se inseriu no tempo
como um Quixote alucinado
montado em um Rocinante imaginado
a desbravar Catalunhas encantadas
lutando com moinhos que nem o vento assoprava
sendo herói de reinos fabulados
apaixonando-se por Dulcineias jamais encontradas
Urdiu no interior calado dos quartos
por sobre macios colchões de sonhos
mais odisseias que Ulisses
conquistou mais horizontes e confins
que nem Alexandre da Macedônia alcançou
e venceu leões e aniquilou hidras
em quantidades maiores que Hércules conseguiu
Descobriu o segredo da Pedra Filosofal
encontrou o sagrado cálice do Santo Graal
derrotou Saladino no norte ao sul de Damasco
carregou no peito mais medalhas
que Júlio Cesar, Napoleão ou Eisenhower
e da janela de sua pequena mansarda
caminhou por ruas e vielas nunca pisadas
Compôs sinfonias mais belas que Beethoven
escreveu intensas cartas de amor
melhores que Cyrano de Bergerac
pintou azuis mais azulados que Picasso
escalou o Everest e a Montanha Mágica
atravessou ondas tubulares na Austrália
e rompeu a barreira do som
pulando de paraquedas
no alto do céu desanuviado de Dubai
Foi no íntimo dos quartos em que morou
que fez de si o que existindo não se fez
e de lá grafou poemas que ninguém leu
e se vestiu de roupas mais majestosas
do que pode se vestir o maior dos reis
Passado os anos tangíveis da vida
hoje resta um túmulo corroído e desgastado
em um cemitério esquecido e abandonado
onde mal se lê redigido na lápide
o seu nome que o cosmos não conheceu
Como disse Fernando Pessoa
“o mundo é para quem nasce para o conquistar
e não para quem sonha que pode conquistá-lo
ainda que tenha razão”