joaquim cesario de mello

O INVENTOR DE MEMÓRIAS

 

Inventava memórias

balsamando a alma

de histórias criadas

para quando fosse velho

ter do que se lembrar

 

Se inseriu no tempo

como um Quixote alucinado

montado em um Rocinante imaginado

a desbravar Catalunhas encantadas

lutando com moinhos que nem o vento assoprava

sendo herói de reinos fabulados

apaixonando-se por Dulcineias jamais encontradas

 

Urdiu no interior calado dos quartos

por sobre macios colchões de sonhos

mais odisseias que Ulisses

conquistou mais horizontes e confins

que nem Alexandre da Macedônia alcançou

e venceu leões e aniquilou hidras

em quantidades maiores que Hércules conseguiu

 

Descobriu o segredo da Pedra Filosofal

encontrou o sagrado cálice do Santo Graal

derrotou Saladino no norte ao sul de Damasco

carregou no peito mais medalhas

que Júlio Cesar, Napoleão ou Eisenhower

e da janela de sua pequena mansarda

caminhou por ruas e vielas nunca pisadas 

 

Compôs sinfonias mais belas que Beethoven

escreveu intensas cartas de amor

melhores que Cyrano de Bergerac

pintou azuis mais azulados que Picasso

escalou o Everest e a Montanha Mágica

atravessou ondas tubulares na Austrália

e rompeu a barreira do som

pulando de paraquedas

no alto do céu desanuviado de Dubai

 

Foi no íntimo dos quartos em que morou

que fez de si o que existindo não se fez

e de lá grafou poemas que ninguém leu

e se vestiu de roupas mais majestosas

do que pode se vestir o maior dos reis

 

Passado os anos tangíveis da vida

hoje resta um túmulo corroído e desgastado

em um cemitério esquecido e abandonado

onde mal se lê redigido na lápide

o seu nome que o cosmos não conheceu

 

Como disse Fernando Pessoa

o mundo é para quem nasce para o conquistar

e não para quem sonha que pode conquistá-lo

ainda que tenha razão