O dia amanhece no quarto vazio
e pontualmente o despertador toca
mas a cama desocupada continua
deitada no mesmo lugar
No guarda-roupa fechado
vestes aguardam escolhas
porém hoje nenhuma delas
verá a luz do Sol
ou encontrará olhares de gente
nem o acariciar deleitoso dos ventos
Qual a serventia
de uma escova de dentes usada
sem o beijo mentolado das bocas
ou aquele sabonete meio gasto
com um fio cabelo nele guardado
que nunca mais será utilizado?
E todos aqueles pincéis de maquiagem
o primer, a base e os corretivos
o blush, os batons e os pós compactos
acomodados no silêncio do armário
acostumados a mascarar um rosto
que o espelho jamais voltará a encontrar?
Na cabeceira da cama de seu quarto
os óculos que antes me assistiam crescer
repousam parados e inanimados
com ninguém no outro lado
Da parte que me cabe da casa
desacordo dos sonhos juvenis
levantando meus dezesseis anos
que me habitam o corpo magro
ainda um tanto desengonçado
e sozinho e assustado
inicio o primeiro dia
da minha mais longa
e última interminável orfandade