joaquim cesario de mello

O DIA SEGUINTE

 

O dia amanhece no quarto vazio

e pontualmente o despertador toca

mas a cama desocupada continua

deitada no mesmo lugar

 

No guarda-roupa fechado

vestes aguardam escolhas

porém hoje nenhuma delas

verá a luz do Sol

ou encontrará olhares de gente

nem o acariciar deleitoso dos ventos

 

Qual a serventia

de uma escova de dentes usada

sem o beijo mentolado das bocas

ou aquele sabonete meio gasto

com um fio cabelo nele guardado

que nunca mais será utilizado?

 

E todos aqueles pincéis de maquiagem

o primer, a base e os corretivos

o blush, os batons e os pós compactos

acomodados no silêncio do armário

acostumados a mascarar um rosto

que o espelho jamais voltará a encontrar?

 

Na cabeceira da cama de seu quarto

os óculos que antes me assistiam crescer

repousam parados e inanimados

com ninguém no outro lado

 

Da parte que me cabe da casa

desacordo dos sonhos juvenis

levantando meus dezesseis anos

que me habitam o corpo magro

ainda um tanto desengonçado

e sozinho e assustado

inicio o primeiro dia

da minha mais longa

e última interminável orfandade