PRETÉRITO MAIS QUE PERFEITO
Pouco a pouco o corpo se desgasta,
cansa, pesa e dói.
vão-se dentes, músculos
e os cinco sentidos.
O mundo muda, cada vez mais depressa.
Não é mais a nossa casa.
Com esforço, evoluímos, mas há coisas
difíceis de aceitar.
Nossos amigos,
os que falavam nossa língua,
um a um, passam para o outro lado,
e o entorno fica vazio.
O fim se aproxima, um dia de cada vez,
no mesmo passo de sempre,
desde o nascimento.
Não dramatizemos.
A morte esperada é uma graça.
O arremate normal e suave
das vidas longas.
Entretanto, o assunto é tabu.
Não fica bem falar sobre o encontro
que mais nos interessa.
Calados, sonhamos. Em sonhos
viajamos na barca de Caronte,
nas asas de Azrael.
Em segredo imaginamos
reencontros, alegrias, aventuras talvez
em outras dimensões.
Serenamente esperamos
a última benção da vida.