joaquim cesario de mello

COM AMOR, JOAQUIM

 

Quisera escrever uma carta

que sei jamais farei

para revelar murmurante

meus segredos mais miúdos

 

Confesso

espreito-te pelas frestas do cotidiano

(naquele dia em outubro passado

sem que sequer desses conta

furtei de ti o olhar de entardecer

com que absortas miravas o céu

como quem cata naturalmente anjos)

 

Até mesmo

nos momentos dos teus banhos

tantas vezes escutei por detrás da porta

o teu adornar de essências e espumas

e invejei

(ah, deus sabe como invejei!)

a água que percorria

acariciante teu corpo

como um amante em abraços

tão íntimos e úmidos

que nunca dei

 

Quisera escrever esta carta

que sei jamais farei

 

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Originariamente publicado no livro A VIDA COMO UM ESPANTO, Joaquim C. de Mello, (ed. Labrador/SP, 2022)