joaquim cesario de mello

PROCURA-SE UMA LEMBRANÇA


Eu tinha uma lembrança
eu sei que tinha
só não sei onde ela está

Já remexi por todo canto e recanto
escaninhos e esconderijos da memória
no fundo das suas gavetas
no interior dos seus armários
até nos encaixotados fucei
mas nada dela encontrei 

Eu tinha uma lembrança
eu sei que tinha
só não sei onde ela está

Procurei por aqui
procurei por lá
procurei por todos os lugares
até debaixo da cama dos meus pais
que é a imagem que tenho
daquela noite de tempestade chuvosa 
em que acordei com medo dos trovões
e dormi aninhado com eles
no leito que cheirava a lavanda
alecrim e a pétalas de rosas

Eu tinha uma lembrança
eu sei que tinha
só não sei onde ela está

Percorri corredores pouco revisitados 
entrei em salas que nem mais recordava
vasculhei minhas lacunas e meus lapsos
pensei até em meus atos falhos
mesmo assim minha lembrança continuava
perdida, desaparecida e extraviada

Reencontrei outras tantas lembranças
as antigas, as novas e as remotas
lembranças de todos os tamanhos
espécie, gênero, tipo e variedade
as reais, as fantasiadas e as misturadas
mas, no fim, tudo isso acabou em nada

Eu tinha uma lembrança
eu sei que tinha
só não sei onde ela está

Cheguei até as portas do Inconsciente
que é onde fica as memórias proibidas
as censuradas, as reprimidas e as recalcadas
porém um guardião me impediu de lá entrar

Mas do que me lembro 
da lembrança que não me lembro
é que ela existia e por aqui estava
e uma lembrança que era lembrada
não pode ter sido desautorizada
desmaiada, esvaída ou ter sido desbotada

Terá ela fugido, morrido ou sequestrada?
Será que ela foi de mim desterrada?
Aonde foi que ela se escondeu
ou será que ficou camuflada
encoberta nas entranhas do interior
de uma outra qualquer memória?

Só sei que desde então
sinto falta de um pedaço da minha história
e carrego comigo um oco fincado  
no lugar daquela esquecida memória

...

Procura-se uma lembrança perdida
Quem achar favor devolver à minha alma
que será por ela bem recompensado