O que se verá no amanhã
abaixo do céu em que não estarei?
Quem pisoteará os caminhos porque passei
cujas pegadas ficaram soterradas
no aterrar dos dias e do esquecimento?
Que mundo viverá os instantes
que jamais em meus sonhos imaginei
e quem herdará meus óculos
que ao partir deixei em cima do criado mudo
que fica à esquerda da cama
em que presenciei o amanhecer dos meus anos
e o findar das noites no cobrir das pálpebras
que de mim afastavam os sonâmbulos fantasmas
que continuam a perambular nos quartos como muriçocas
a assustar a infância dos recentes meninos?
De que morrerão os velhos longevos
e por onde se acharão os filhos dos meus netos
se quando tudo o que aqui deixei
se for como também se vão
os finais das tardes de domingo?
O que se verá no amanhã
que eu não verei
pois acima do céu que abraça a vida
tudo é tão obscuro como será o escuro
em que vou somente me ausentar
e desaparecer