Regue as plantas na varanda, elas devem lhe dizer
Que eu morri todos os anos, quando esperei você
(Ivor Lancellotti)
A casa na escuridão sem vida…
Na janela, nenhum recipiente de cuidado.
Foram sumindo aos poucos, um a um,
Com o esmero ardiloso de quem quer machucar.
Se alguma fragrância restou, só o vazio consegue sentir.
Agora só a treva estéril;
Não mais o vapor que trazia alívio
Na escuridão da misteriosa noite.
As paredes, mudas, não contarão os sonhos que viram.
Não contarão da maciez da pele
Nem dos cabelos molhados…
O vento e o sol no quintal
São trastes perfeitamente dispensáveis…
Nada há que aquecer, soprar ou secar;
Não há nem o abrir de torneiras…
O silêncio delas inunda o lugar de aridez
De amor, de alegria, do hálito da vida…
Os varais ficaram carentes de beleza e delicadeza;
Dos segredos profundos, de histórias de passeios…
Acenam em vão para o nada…
A cortina estranhamente ficou…
Obstáculo que revela o abandono,
Como outrora revelava a presença,
O recolhimento, o calor da noite…
Ainda é o oráculo que responde
Se a Sílfide impregna o ar das nuvens de fantasias
Ou se o Reino da Morte tomou de assalto toda atmosfera…
A magia do quarto sem luz
E do cortinado cerrado
Destilam lágrimas amargas…
Na varanda ficou uma planta…
Ser vivo há muito tempo deixado num canto qualquer.
O desprezo para com seu zelo revela muito de quem partiu,
Levando consigo o desamor,
Deixando desdém em seu lugar.
Cada objeto que se foi,
Cada pedaço de coisa vil e material
Mereceu mais atenção que um pobre ser,
Que só pedia luz, água e um olhar…
A luz do dia é contaminada de saudade.
O olhar foi suspirar em outros ares.
E a água é o gesto que não haverá;
O amor que não cristalizará;
O beijo que não virá…
O verde deixado para trás
É o passamento anunciado;
Crime impune de cadáver seco e exposto…
A planta, pobre, fincada num balde imundo e sem valor,
Esquecida para morrer,
Terá o seu desejo florescido em dor…
Em dor de tudo viver…
Viver sem que mais se espere…