Matrinxã
O caminho se faz caminhando
Na estrada cansada ir andando
No torto das curvas suar suando
Feito teu triste rosto longe deu
Com as dobras das linhas do tempo
Se ajuntando no eterno meu
A tórrida terra cansada
Abraça a maniçoba e a favela
Ao longe a mesma cancela
O pisar e o pesar sem os abraços dela
No torrão o canto da ema
A meia porta quase aberta
O boi que inda escapa com a jurema
E o canto triste e vago da janela
No árido-seco que ficou
Após o marejar dos olhos teus
Fitados de avelã quase mel
E o sono acordado sem teu céu
Na busca do gado pela caatinga
Segue Catolé o vaqueiro
Montado em sua burra formosa
Seguido por seu cachorro ligeiro
Ficastes tu no prumo e sem abismo
Planos pés e suadas mãos
E os chinelos pareados namorando
Calados e pisados no rés·-do·-chão
Fui embora encostado na lua da sela
Mingando feito a luz da lua de hoje
E as vagas estrelas ao redor
Amigas do teu brilho sorriso indo...
Pilham no adorno do teu brinco
No chicote os pernoites de açoite
No lóbulo o peso dourado do mimo
No coração a vivacidade com o simples e o tino
Fiquei ficado de pálida cor
Inda vago meio esperando
Teu inverno e o teu verso
Cheio de eu mais tu
Feito baião quente e grudado
Torresmo de lombo molhado
Queijo coalho derretido
Versos ventos indo e vindo
Alados agarrados ao teu suado nu
Passados agrestes do que se foi
O cutelo finda sem pressa
repousa só na triste pedra
E na cartilha a história e os costumes
Na memória os nossos e os curtumes
A história aos Motta montes
sem que se desarrume
O couro curtido e o perfume
O pescar, o penar e o cardume
Na lenta escassa água inda doce
descansa a incansável matrinxã
Com seu nado lento laranja
Rio acima cama a cama
segue suave com suas escamas
A linda prateada jatuarana
No lá fora o silêncio e o desatino
No Cariry a peça sem preço em apreço
Em paz os pendurados Fuzis Mauser
Cena do tempo em respingo
Ao longe revejo a Varjota
Sem nós e seu rodar de engenho
Sentir sem ser dormente
A vasta dor do ausente
Vinha a ver o que mais via
Domingos aos domingos de precondia
Escorria a fita vagarosamente
Brincam os meninos contentes
Lá fora os milhos tudinho bonecando
Vó Maria sentada com as espigas
A tirar o milho do sabugo
E a longa saia preta presa ao chão
E os grãos e a espiga em suas mãos
Na cozinha o leite, o açúcar e a canela
E a minha mãe sempre mexendo
A leitosa saudade
que teima em grudar na panela
Carmelita falando sozinha:
“Respire e deixe cozinhar um pouco”
Passe o tempo pela peneira fina
Polvilhe a história da memória pois
E Inspire cada um de nós que se foi
Suspire e passe a sonhar
Abrace a parada rede branca
Presa na branca parede do tempo
Sopra as asas da dor do pensamento.
Roberio Motta, Vinte e 4 de março de 2023
Juazeiro do Norte, Estado de Graça do Cariri.
*Uma homenagem aos nossos antepassados, em especial a Família do meu querido pai do meu pai, Avô e Padrinho Argemiro Motta de Carvalho e sua história de determinação, coragem e fé desde a lavoura em Brejo da Madre de Deus-Caruarú-PE até o árduo trabalho com arte do couro e os Curtumes da família no agreste nordestino.
**Nesta peça faço também homenagem a família dos pais da minha querida mãe(Rita) com meu longilíneo e querido Vô Domingos e minha doce Vó Maria em suas lendárias fazendas Capoeira Grande, Picada e Varjota na Lagoa Pequena ou Alagoinha antiga, Ipaumirim, Ceará.
***A todos que se foram sem sair de dentro de cada um de nós recebam a nossa admiração, nosso respeito e nossa eterna gratidão!