Quero de volta
a alegria das calçadas matinais
o sorriso ventilado das janelas abertas
a língua amolada das ruas pavimentadas
de pedras, granitos, cimentos
areias, paralelepípedos e poeiras
Quero de volta
o mascate das miudezas
das bolachinhas de vento
que mercadejava bijuterias
como se fossem lindos brilhantes
iguais aos olhos claros da minha mãe
Quero de volta
os sábados sem aulas e deveres
que eram os dias que íamos às feiras
ver sapotis acastanhados feito madeiras
misturados ao calor suante dos itinerantes
com a zoeira desentoada e desafinada das barraqueiras
Quero de volta
a brisa do sombrear dos cajueiros
os quintais das minhocas soterradas
as lagartixas pousadas na frieza das paredes
o sono das camas encobertas pelos mosquiteiros
o cair das tanajuras nas noites defumadas de São João
Quero de volta
o anjo da guarda que fugiu de casa
as novenas do mês de maio extraviadas
as missas em latim que eu não entendia nada
a coleção de escapulários da tia beata e solteira
Quero de volta
as bicicletas Calois e Monarks
o olhar zarolho da sobrinha do bicheiro
os fiteiros das gaivotas e dos continentais
a matinê dos cinemas de bairro onde se assistia
Noviça Rebelde, Tom & Jerry e os Três Mosqueteiros
Quero de volta
o Recife depois de Bandeira
azulado como o de Carlos Pena Filho
que nos escorregos do Parque Treze de Maio
vou me reencontrar com meu menino travesso
do meu querido Recife hoje longevo
saudoso, imortal e tão brasileiro