joaquim cesario de mello

CIDADE DOS SONHOS

 

Quero de volta

a alegria das calçadas matinais

o sorriso ventilado das janelas abertas

a língua amolada das ruas pavimentadas

de pedras, granitos, cimentos

areias, paralelepípedos e poeiras

 

Quero de volta

o mascate das miudezas

das bolachinhas de vento

que mercadejava bijuterias

como se fossem lindos brilhantes

iguais aos olhos claros da minha mãe

 

Quero de volta

os sábados sem aulas e deveres

que eram os dias que íamos às feiras

ver sapotis acastanhados feito madeiras

misturados ao calor suante dos itinerantes

com a zoeira desentoada e desafinada das barraqueiras

 

Quero de volta

a brisa do sombrear dos cajueiros

os quintais das minhocas soterradas

as lagartixas pousadas na frieza das paredes

o sono das camas encobertas pelos mosquiteiros

o cair das tanajuras nas noites defumadas de São João

 

Quero de volta

o anjo da guarda que fugiu de casa

as novenas do mês de maio extraviadas

as missas em latim que eu não entendia nada

a coleção de escapulários da tia beata e solteira

 

Quero de volta

as bicicletas Calois e Monarks

o olhar zarolho da sobrinha do bicheiro

os fiteiros das gaivotas e dos continentais

a matinê dos cinemas de bairro onde se assistia

Noviça Rebelde, Tom & Jerry e os Três Mosqueteiros

 

Quero de volta

o Recife depois de Bandeira

azulado como o de Carlos Pena Filho

que nos escorregos do Parque Treze de Maio

vou me reencontrar com meu menino travesso

do meu querido Recife hoje longevo

saudoso, imortal e tão brasileiro