Vivo no relógio do meu pai
onde o tempo não passa
com suas horas apressadas
nem os ponteiros assinalam
o virar consumido dos dias
Nele brinco de criança sem cansar
como se vivesse numa Terra do Nunca
em que meu imortal menino
escapou de ser adulto amanhã
No relógio do meu pai
não coabitam vindouros
esses lugares em que o amanhecer
e o aclarar das noites
são sempre impregnados de ontem
No interior do relógio do meu pai
não se contam os minutos
não existem cemitérios
as roupas não crescem
e todos meus primos estavam lá
No Mido do meu pai
o Universo não era digital
e se movia redondo e animado
que nem um pião alegre e brejeiro
puxado e liberto das suas cordas
Naquele relógio do meu pai
minha infância corria entre os números
que iam de um a doze
com a rapidez dos milênios
enquanto o eterno e o imutável
eram simplesmente infindáveis
O relógio do meu pai
parou no dia em que ele morreu