Hoje me chamou a angústia
Uma angústia angustiosa
Uma angustiada angústia
E a prosa soou com alguma poética
Não houve queixas,
Nem estávamos à mesa
O tempo era a sala e o chão
E átimos mobiliavam o ambiente
Sentávamos no sofá forrado de instante
Um som surdo era sua voz
E eu compreendia toda mudez
E mudo respondia sem convicção
Não se buscava razão no discurso
E não compreendia bem tal persuasão
Era fluida a palestra de estranha fluidez
Procurei ser bom ouvinte,
E vislumbrava do interlocutor
Uma expressão indefinível e deslúcida
Em retórica turva que cobria minhas cores
Em silêncio, a sensação sem palavras dizia
E tudo dizia sem constrangimento
Por hábito, procurei ser gentil
Era o anfitrião, mas nada servi
Além de um alento insosso
Mas nada pedi, sem contraposição
Além de uma lucidez necessária
Naquele pedaço de lugar qualquer
Um lugar qualquer de mim
A emoção devia ser o pão
Sem substrato de pensamento
A depressão eu via da janela
Brincava com outros cães
Em paisagem distorcida e distópica
O horizonte não era claro
E o escuro ainda era inocente
A prosa já não tinha sentido
E o meu peito, como céu cinzento
Descarregava fúria em torrente
Enquanto eu mesmo ficava à porta
Aguardando o minuto final
De um juízo sem julgamento
A angústia angustiada
Desculpou-se em plena culpa
Enquanto degustava o último gole
Da lágrima que lhe servia
Juntamente com um naco de alívio
Contorcendo-se a face
Pelo dissabor sem veneno
Retirava-se e longe ia
Com sua criatura da depressão
Arrastada por uma guia