joaquim cesario de mello

QUANDO AQUI CHEGUEI

 

Quando aqui cheguei

as ruas eram feitas de casas

e os poucos prédios

eram de três andares de escada

 

Quando aqui cheguei

os galos chamavam o Sol

espantando as estrelas nas madrugadas

e o dia amanhecia encantado

 

Quando aqui cheguei

não havia supermercado

as mercearias e as quitandas vendiam fiado

com moedas se comprava dezenas

de confeitos como se fossem sonhos caramelados

e tudo lá parecia confeccionado

em um amontoado de secos e molhados

 

Quando aqui cheguei

as meninas usavam trancinhas

lacinhos e vestidos babados

enquanto os meninos só usavam calça comprida

em dias santos, aniversários e feriados

 

Quando aqui cheguei

minha avó tinha cabelo nevado

era surda do ouvido esquerdo

e como os outros velhos que tinham minha idade

passava horas nas cadeiras de balanço

embalando o final moroso das tardes

 

Quando aqui cheguei

lagartixas andavam serelepes nas calçadas

as mangas do vizinho eram mais adocicadas

em dias de chuva caiam tanajuras molhadas

e as minhocas se arrastavam sorridentes

antes de serem soterradas embaixo de asfaltos

 

Quando aqui cheguei

aprendi a escrever em Português na escola

lá se ensinava também Francês

(je suis um petit garçon)

e de inglês e de relógios eu não sabia nada

 

Quando aqui cheguei

o mundo era pequeno do tamanho do meu bairro

havia menos carros a atrapalhar as peladas

e dos terrenos baldios voltávamos às casas

cheios de areias, barros e gargalhadas

 

Quando eu aqui cheguei

tudo estava pronto, concluído e acabado

a vida parecia constante e infindável

até compreender que o que é permanente

Dura pouco e é para ser sempre mutável

 

Quando aqui cheguei

todos estavam presentes

e posavam às fotos nos dias

dos meus primeiros aniversários