Quando aqui cheguei
as ruas eram feitas de casas
e os poucos prédios
eram de três andares de escada
Quando aqui cheguei
os galos chamavam o Sol
espantando as estrelas nas madrugadas
e o dia amanhecia encantado
Quando aqui cheguei
não havia supermercado
as mercearias e as quitandas vendiam fiado
com moedas se comprava dezenas
de confeitos como se fossem sonhos caramelados
e tudo lá parecia confeccionado
em um amontoado de secos e molhados
Quando aqui cheguei
as meninas usavam trancinhas
lacinhos e vestidos babados
enquanto os meninos só usavam calça comprida
em dias santos, aniversários e feriados
Quando aqui cheguei
minha avó tinha cabelo nevado
era surda do ouvido esquerdo
e como os outros velhos que tinham minha idade
passava horas nas cadeiras de balanço
embalando o final moroso das tardes
Quando aqui cheguei
lagartixas andavam serelepes nas calçadas
as mangas do vizinho eram mais adocicadas
em dias de chuva caiam tanajuras molhadas
e as minhocas se arrastavam sorridentes
antes de serem soterradas embaixo de asfaltos
Quando aqui cheguei
aprendi a escrever em Português na escola
lá se ensinava também Francês
(je suis um petit garçon)
e de inglês e de relógios eu não sabia nada
Quando aqui cheguei
o mundo era pequeno do tamanho do meu bairro
havia menos carros a atrapalhar as peladas
e dos terrenos baldios voltávamos às casas
cheios de areias, barros e gargalhadas
Quando eu aqui cheguei
tudo estava pronto, concluído e acabado
a vida parecia constante e infindável
até compreender que o que é permanente
Dura pouco e é para ser sempre mutável
Quando aqui cheguei
todos estavam presentes
e posavam às fotos nos dias
dos meus primeiros aniversários