Letícia Alves

Prosa da Manhã Declinada

Há manhãs embevecidas de nódoas formadas pelo declínio humano da minha parte que parecem não me deixar estar. Desço as persianas na tentativa de não obter a visão do inferno logo cedo, como sempre fiz. Como sempre evitei. Tal como nunca outrora tentei. Nunca tentei me livrar disso. É o peso que carrego comigo.


O peso de saber que por vezes as folhas amanhecem plácidas, mas sem vida. Assim como a lua, sem brilho visível e sem algures estima. A mancha cobre todo e qualquer resquício de longevidade em mim, que sigo pendura à sombra. Arrastando-me nas penumbras do que se chama existência, com uma certa irreverência e repleta de incongruência.


Apesar de tudo, assim como as nuvens carregadas e os mares e os seus peixes mortos, estarei fadada a existir entre os arames disso tudo, que levar-me-hão para além do abismo; contemplá-lo de cima e seguir em metonímia. A tristeza fértil; a sombra que resplandece à noite; o calar da voz que faz o coração tributar.


À vista disso, escalo. Escalo também os dedos no teclado, como um mero vigia solitário sobre a minha lua-anseio e aquém dos meus devaneios