joaquim cesario de mello

MANIFESTO ANTIPOÉTICO

 

Quero a poesia profunda

as das hemácias

as das palavras chulas

e as ocultas nas solas dos sapatos

 

Quero a poesia suja

pelos batons das prostitutas

pelas mãos dos mendigos

e pelo lodo salgado dos manguezais

 

Quero a poesia sombria

pelos sustos das madrugadas

pelos assombros dos cemitérios

e pelo silêncio que vem do nada

 

Quero a poesia dos embriagados

da interminável boemia dos bares

do cheiro urinado dos postes

e dos dejetos humanos nas calçadas

 

Quero a poesia dos opostos

dos contrários das flores

dos adversos dos versos

do antilirismo dos amores contrariados

 

Quero a poesia das febres

dos delírios dos alucinados

do fogo dos apaixonados

e das chamas queimantes dos cigarros

 

Quero a poesia imperfeita

da incompletude das almas

da fome insaciável dos desejos

e das rimas mancas tropeçadas

 

Quero a poesia ácida das salivas

dos orgasmos sufocados nos quartos

dos beijos clandestinos roubados

e da aridez solar dos sertões nordestinos

 

Quero a poesia triste dos melancólicos

do risco que vem da navalha

do voar dos anjos desesperados

e dos soluços molhados dos abandonados

 

Quero a poesia com sabor de groselha

misturada em litros de leites coalhados

com pitadas amargas de sonhos frustrados

e com o odor exalado dos centros das cidades

 

Quero a poesia de cabeça pra baixo

que me revele também o outro lado

que esbofeteie meu rosto lavado

e que me rompa os véus

rasgue minhas fantasias

me desnude da ilusão das fachadas

 

Quero a poesia como ela é

pois o resto é só quimera e disfarce

e nada mais