Vou comer com a boca dos livros
mastigando cada instante
com os dentes afiados das palavras
Vou sorver os segundos ocultos
por detrás dos minutos
tragando-os ao interior dos pulmões
no inalar das lembranças vindouras
Vou fotografar o piar dos pássaros
que a mão do vento aos ouvidos me traz
como uma esponja a absorver o mar
Vou beber o mundo que me cerca
e me embriagar de extremo gozo
na vertigem do dia que me acolhe
Vou tatear as paredes do tempo
seguindo o destino das portas
e percorrer os corredores da vida
até onde eles lá se encerram
Vou mergulhar no céu que me encobre
e nadar com as nuvens entre horizontes
tornando-me anjo antes da hora
Vou cheirar o aroma do invisível
sentindo o sabor do oxigênio
vendo o amanhã que se forma
no formar do breve ontem que carrego
e mais adiante ainda levo
Vou colher das árvores que plantei
em sítios que já não existem mais
os frutos com cujas sementes semearei
os desertos em que meus netos irão pisar
E quando tudo isso tiver passado
e não houver em mim passados
vou para o celeiro das almas
ler os versos que foram por mim
aqui deixados