No interior do guarda-roupa de minha mãe
havia uma caixa de madeira com fechadura
cuja chave nunca achei, por mais que procurasse
Era larga, retangular, alta e folheada
com desenhos barrocos nela entalhada
que para mim lembravam gravuras de outro mundo
que eu não entendia, mas também me diziam nada
No fundo escuro do guarda-roupa
por detrás dos seus vestidos e blusas
minha mãe parecia resguardar segredos
em meio a confidências e intimidades
livre dos olhares intrusos e curiosos
assim como eram também os meus
Quantos mistérios aquela caixa reservava
quantas histórias para mim jamais reveladas
se escondiam no habitar intestinal da arca?
Seria minha mãe uma outra oculta mulher
a amar um homem ao invés de uma criança
logo eu que em minha orfandade paterna
pensei ter herdado o vago da cama ao seu lado?
No interior do guarda-roupa de minha mãe
havia uma caixa de madeira com fechadura
que apenas um dia de lá desapareceu
assim que ela de mim se foi e morreu
Fui um garoto feliz e afortunado
pois tive duas mães enquanto menino:
a que conheci andando pela casa
e a outra em tempo algum desvelada
que passou minha infância dentro da caixa