Vai poste, dorme
dorme o sono matinal dos justos
pois a claridade das manhãs
escurece a mais perfeita
imperfeição dos impuros
Vai poste, é hora
é hora de cerrar as esquentadas pálpebras
e descansar teu pescoço cansado
que reclinado presenciou
o perambular vacilante dos bêbados
o urinar territorial dos cachorros
e o encontrar das ruas no beijo
nem sempre molhado das esquinas
Vai poste, repousa
que a noite foi longa
os vampiros já se recolheram aos castelos
e os fantasmas não assustam mais ninguém
Vai poste, sossega
logo teus pés fincados ao solo
te levarão a passear
por calçadas não cimentadas
feitas apenas de nuvens
por onde irás flutuar
acima das cabeças da cidade e dos homens
esquecendo-te dos pecados testemunhados
e da solidão a que estás predestinado
no que é tua sina e vocação
Vai poste, inverna
e sonhas o sonho dos namorados
que no amor escuro das noitadas
encontram o esconderijo protegido
do alumiar recatado dos teus abraços
Vai poste, dorme
que a seguir outra noite te espera
e com ela seus acordados