joaquim cesario de mello

DO QUE SONHAM OS POSTES

 

Vai poste, dorme

dorme o sono matinal dos justos

pois a claridade das manhãs

escurece a mais perfeita

imperfeição dos impuros

 

Vai poste, é hora

é hora de cerrar as esquentadas pálpebras

e descansar teu pescoço cansado

que reclinado presenciou

o perambular vacilante dos bêbados

o urinar territorial dos cachorros

e o encontrar das ruas no beijo

nem sempre molhado das esquinas

 

Vai poste, repousa

que a noite foi longa

os vampiros já se recolheram aos castelos

e os fantasmas não assustam mais ninguém

 

Vai poste, sossega

logo teus pés fincados ao solo

te levarão a passear

por calçadas não cimentadas

feitas apenas de nuvens

por onde irás flutuar

acima das cabeças da cidade e dos homens

esquecendo-te dos pecados testemunhados

e da solidão a que estás predestinado

no que é tua sina e vocação

 

Vai poste, inverna

e sonhas o sonho dos namorados

que no amor escuro das noitadas

encontram o esconderijo protegido

do alumiar recatado dos teus abraços

 

Vai poste, dorme

que a seguir outra noite te espera

e com ela seus acordados