Carlos Tavares

VIVER É ESTAR DOPADO

           

Viver é barato lisérgico viciante

É como estar dopado e distraído

Ao mesmo instante

 

Um dia eu caí aqui inconsciente,

Como um dopado crônico desmemoriado

e logo me vestiram e  me deram

um nome social e me acolheram

Como se acolhe um desprotegido

vulnerável

 

Servi assim um tempo,

Como animalzinho de pelúcia engraçadinho

E me mimavam e ninavam o tempo todo e depois

Me guardavam protegido como relíquia

                                                                                                                                                     

De repente, por novas distrações

Conduziram-me pelas mãos por aí,

enquanto eu chorava

E sentia fome e sentia sono, e eu nem sabia que

Vontades são lísérgicas

 

Com o tempo, a gente vai perdendo a graça

E deixa de ser a relíquia bem guardada

Como brinquedo velho sem pilha ao alcance

 

Um dia, me liberaram para experimentar doses mais

fortes no curso da vida enquanto eu aprendia a mexer

com números e códigos e alquimias

 

e assim de repente, como se perde a inocência,

eu deixei os brinquedos jogados num canto e

nem perceberam eu pular as cercas do quintal,

e, entre uma noite e um dia, nem notaram que eu

já demorava a voltar e entre um outono e um verão

nem perceberam que às vezes, por distrações, eu não

voltava

 

Agora estou eu aqui de cara

Na esquina da vida

Enquanto o barato começa a passar

 

vendo essa

multidão chapada

disputando

os perigos das doses

mais fortes de vida

nas quebradas dos desejos

 

e eu só tenho um velho pergaminho

sobre perigos, mitos e lendas

uma ou outra memória guardada de cabeça

sobre mim e alguma linhagem ancestral

e esse mapa imprestável com o endereço

errado que eu nem consulto mais

sem o velhos barato lisérgico...