joaquim cesario de mello

NO CORAÇÃO DA SOLIDÃO DA CIDADE

 

Estou no centro da solidão da cidade

enquanto a noite debruçada sobre o teto das casas

repousa indiferente ao sono dormente dos quartos

 

Nos arredores de mim ouço apenas

o cochicho murmuroso dos postes

e o zzzzz zum zum dos mosquitos

a me apoquentar os ouvidos

     (acima da noite que nos encobre

     tudo deve ser tão silencioso

     como um infinito prolongado)

 

Às três da manhã da noite

até as estrelas não brilham mais

e a lua se esconde do sol

por detrás dos prédios e das árvores

 

Se precisasse de sonhos

bastaria fechar as pálpebras

e deixar pesar por cima delas

o pó da poeira dos meus cansaços

 

Mas de sonhos já sou feito

- Necessito conhecer o que penso

   e quem sou além dos disfarces

 

Abaixo dos meus telhados

reside um Joaquim clandestino

que viaja comigo

sem ter comprado passagem

 

Este Joaquim sigiloso

é alguém que não conheço

pois, como Pessoa, nem bem entendo

que alma tenho e que crenças

são estas que não fui eu quem fiz

e nem sei quem em mim as plantou

 

Por sob os pensamentos que herdei

e que tamparam as lacunas das paredes

deste cubículo em que me encontro aprisionado

existe um sou eu mais aprofundado

um sou eu nunca dantes meditado

um sou eu ainda não tocado ou experimentado

um sou eu que nem eu mesmo sei quem sou

 

Às três da manhã da noite pareço libertado

sozinho no coração da solidão da cidade