joaquim cesario de mello

A VIDA COMO ESPANTO, ASSOMBRO E ENCANTAMENTO

 

Espanto-me

como os peixes não morrem afogados

com os músculos das formigas-cortadeiras

com os ouvidos aguçados dos morcegos

e com as sete vidas dos gatos

logo eu que só tenho uma

 

Admiro

a filosofia concreta das pedras

o jogo de cintura das águas

o gratuito perfume dos lírios

as sombras futuras das sementes

e o peito sempre estufado dos ventos

 

Encanta-me

a dança parada das cadeiras

a eternidade emoldurada nos retratos

a memória dos livros fechados

o confessionário fiel dos travesseiros

e os fios de cabelos ainda nos pentes encontrados

 

Assombra-me

as mímicas corporais das sombras

a rapidez demorada dos segundos

a quantidade de gente que cabe na palavra humanidade

que por fora todo mundo seja vulto

e por dentro todo mundo seja diferente

 

Surpreendo-me

que hoje já seja segunda-feira

daqui a pouco é de novo Natal

como os espelhos envelhecem mais cedo

(em breve teremos outro aniversário)

e que eu esteja atrasado para a imortalidade